segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Entrevista com Srdjan Spasojevic, diretor de "A Serbian Film"

O diretor Srdjan Spasojevic está chateado. Diz ficar triste com a contínua controvérsia que seu "A Serbian Film" tem provocado em alguns países - inclusive no Brasil, onde o filme passa por um demorado imbróglio judicial desde a suspensão de sua exibição no Rio de Janeiro, a pedido do DEM, em julho, dentro do RioFan - Festival de Cinema Fantástico.

"É frustrante passar por tudo isso, por essa gente lunática que acha que pode decidir como o mundo deve ser", desabafa Spasojevic, direto da Sérvia, em conversa telefônica com o Magazine. "Essas reações primitivas me assustam bastante".

Aos 35 anos, Spasojevic estreou em longa-metragem com "A Serbian Film", que ganhou no Brasil o subtítulo "Terror sem Limites" e estrearia no circuito comercial hoje, pela distribuidora maranhense Petrini Filmes. Porém, devido a uma ação de Fernando Martins, da Procuradoria da República em Minas Gerais, o Ministério da Justiça interrompeu a análise de classificação etária do filme. Na prática, isso o impede de ser lançado nos cinemas. É a primeira vez, desde 1986, que um filme está barrado pela Justiça brasileira, o que trouxe de volta a assustadora questão da censura prévia a obras de arte no país.

A principal alegação seria de que o longa "induz à pedofilia" e teria ferido o Estatuto da Criança e do Adolescente por conter cenas de sexo envolvendo menores de idade - o que, vendo o filme, sabe-se não ser verdade. Porém, os envolvidos nas ações de veto assumiram não terem assistido ao longa-metragem.

"Sinceramente, eu não esperava tantas reações assim. Tenho consciência de que o filme não é para todo público. Algumas pessoas adoram, outras odeiam. Mas é um filme duro, num tempo em que se tenta impor o politicamente correto às pessoas", diz o cineasta. "E virou um verdadeiro circo, é quase engraçado".

Mesmo com toda a controvérsia, Spasojevic tem orgulho do filme que fez. Adepto do cinema norte-americano dos anos 70 (sem pensar muito, cita nomes como Sam Peckinpah, Walter Hill, John Carpenter e William Friedkin), ele utilizou toda essa base e mais algumas referências para desenvolver o roteiro de "A Serbian Film". Juntou aos seus instintos cinéfilos a própria vivência na Sérvia e fez "o melhor filme que podia", segundo diz.

"A Sérvia é um pequeno país europeu muito conservador. É difícil, aqui, as pessoas enxergarem seus próprios problemas. A religiosidade é forte e, quando alguém comete algo ruim, acha que basta ir à igreja para estar ´purificado´", comenta Spasojevic.

Ele acredita que o personagem central de "A Serbian Film" poderia ser qualquer típico trabalhador europeu. Spasojevic o fez como sendo um ex-astro de filmes pornográficos para servir de metáfora à exploração profissional no país e à pseudofelicidade. "Em vez de lutarem, as pessoas aqui tendem a esconder suas falhas. O que falo no filme é sobre a destruição da família como eixo dessa falsa realidade".

A experiência de ter crescido numa nação marcada por bombardeios da Otan também reafirmou a necessidade de Spasojevic se expressar através do horror. "Não tinha mesmo como sair algo muito bonito".

O cineasta lembra o recente caso do atirador da Noruega, Anders Breivik - responsável por 77 mortes - como um reflexo do choque retratado em "A Serbian Film". "Infelizmente, é o tipo de experiência que estamos vendo", diz. Ironicamente, o filme de Spasojevic foi banido da Noruega bem antes dos ataques de Breivik (que disse, aliás, ser fã de "Dogville", de Lars Von Trier).

"O que eu acho curioso é que toda a violência que acontece em torno do personagem principal do filme está acontecendo com o próprio filme", compara Spasojevic.

*Publicado em "O Tempo" no dia 5/8/2011.

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