Desde 1984, o ator Reginaldo Faria tenta voltar à direção de filmes, atividade exercida por ele em sete trabalhos a partir de 1969 - ano de seu maior sucesso e um marco da comédia brasileira, "Os Paqueras", que levou 4 milhões de espectadores às salas de exibição. Quase três décadas depois de "Aguenta Coração", o galã de 74 anos retorna ao comando com "O Carteiro", exibido na noite de quinta-feira na competição do 39º Festival de Gramado.
Provavelmente não ao acaso, o filme se ambienta na década de 1980. É como se Faria retomasse a cadeira de diretor do mesmo ponto de onde a deixou, após anos de tentativas frustradas. No período, chegou a quase emplacar pelo menos dois projetos, mas foi barrado por dificuldades financeiras para capitanear produção.
Precisou de um financiamento "externo" para o fluminense de Nova Friburgo enfim realizar o desejo. Faria viabilizou "O Carteiro" a partir da parceria com a produtora TGD e patrocínio do Banrisul, instituição financeira gaúcha. Menos ao acaso ainda, o enredo do filme - escrito pelo próprio realizador - se ambienta num pequeno distrito do interior do Rio Grande do Sul.
Disso se desprende uma comédia romântica quase ingênua e infantil, protagonizada por Cadé Faria (filho de Reginaldo) como um entregador de cartas cujo hobby é violar e ler correspondências alheias. Ele se apaixona pela jovem e desiludida Marli (Ana Carolina Machado), por quem fará ações moralmente questionáveis na ânsia de conquistá-la.
"A violência me cansou, e eu quis fugir dela", disse o ator e diretor, em conversa com jornalistas em Gramado. Um dos filmes mais fortes dirigidos por Faria é "Barra Pesada" (1977), inspirado em peça de Plínio Marcos sobre o submundo corrupto do Rio de Janeiro. "É preciso falar do aspecto humano para tocar as pessoas e a sensibilidade de cada um. Não acho que isso seja impossível no mundo de hoje", frisou.
Sem os elementos de forte clima sexual de "Os Paqueras" (que renderam a Faria a pecha de precursor da pornochanchada), "O Carteiro" prefere seguir rumo mais errático, misturando as relações dos personagens com os desencontros das situações nas quais se envolvem. Curiosamente, o filme evoca outra comédia destrambelhada e igualmente anacrônica exibida em festivais neste ano: "Casamento Brasileiro", mostrado no Cine PE em maio e dirigido pelo veterano Fauzi Mansur, também retornando às câmeras após décadas de afastamento.
Reginaldo Faria é humilde. Sabe ter realizado um filme simples (uns podem chamar de simplório) e reconhece que o fato de estar mais maduro e experiente não é garantia de que vá agradar. Mesmo assim, espera que a visibilidade em Gramado lhe traga alguma oportunidade para o lançamento de "O Carteiro" nos cinemas. "O que eu queria mesmo era fazer para saber se ainda iria amar o que estava fazendo. Isso aconteceu", disse. Pode ser a oportunidade da faceta de diretor de Faria tomar contato com uma plateia que hoje talvez apenas o conheça por seus mais de 30 papéis em novelas na TV Globo.
*Publicado em "O Tempo" no dia 13.8.2011
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