Por muito tempo, o nome de Paulo Caldas andou lado a lado com o de Lírio Ferreira. Os dois foram responsáveis por "Baile Perfumado", impactante produção pernambucana de 1997 que ajudou a renovar o cinema brasileiro pós-1994. Dali em diante, ambos seguiram parceiros, mas trilharam caminhos próprios - como era antes, quando desenvolviam seus curtas-metragens em Recife desde os anos 1980. Caldas está em Gramado, onde apresentou na noite de segunda-feira, na competição ao troféu Kikito, seu quarto longa-metragem, "País do Desejo".
A surpresa foi grande para quem conhecia a obra anterior de Caldas - em especial seu filme de 2007, "Deserto Feliz", que representou o Brasil numa mostra paralela do Festival de Berlim naquele ano. "País do Desejo" se afasta razoavelmente das questões sociais dos outros trabalhos do cineasta (ainda que não as deixe de lado) e mergulha num melodrama burguês envolvendo um padre em crise de fé (Fábio Assunção) e uma pianista renomada que precisa urgentemente de um transplante de rim (Maria Padilha).
"É o filme mais ‘Paulo Caldas’ que eu já fiz", declarou o cineasta, em conversa com jornalistas na manhã de ontem. A frase veio em resposta a uma crítica negativa feita por um repórter local e serviu para rebater alguns comentários bastante ruins que foram surgindo durante o debate. Caldas estava absolutamente tranquilo, respondendo a tudo e todos com uma inteligência e serenidade que deixavam claros não apenas seu apreço pelo próprio filme, mas também a abertura ao diálogo e às reflexões.
"O que eu queria foi o que eu fiz, e o que quero eu faço", disse. "Assumi os riscos desse trabalho, como assumo em qualquer projeto no qual participo". Caldas se disse um pouco surpreso pela má reação a "País do Desejo", apesar de já acreditar numa divisão de opiniões. "Faço cinema pelos desafios. Num momento em que a produção brasileira se preocupa em falar da miséria e da pobreza, eu sabia que haveria o estranhamento e até o preconceito contra um cineasta de Pernambuco que quisesse tratar de gente rica e do universo da música clássica", afirmou. "Dormi vários dias preocupado com esse filme. Mas eu detestaria repetir qualquer um dos projetos que fiz antes".
Além de "Baile Perfumado" e "Deserto Feliz", Caldas realizou o documentário "O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas" (2000). Apesar de fortemente vinculado a Pernambuco, o diretor de 47 anos nasceu em João Pessoa, capital da Paraíba. Foi em Recife, porém, o início da trajetória cinematográfica. O primeiro filme, o curta "Frustrações, Isto É um Super-8", veio em 1981. Dali em diante, foram outros sete curtas, até chegar a "Baile Perfumado".
No caso de "País do Desejo", Caldas se debruçou no drama do padre José, pároco de uma pequena comunidade de Olinda que entra em conflito com a Igreja. O motivo do embate inserido no roteiro foi explicitamente arrancado do noticiário. Estuprada pelo padrasto, uma garota de 9 anos grávida de gêmeos, moradora do agreste pernambucano, foi legalmente autorizada a fazer um aborto assistido, em 2009. A Igreja excomungou os pais dela e os médicos responsáveis pelo procedimento - mas não o violentador, sob a justificativa religiosa de que "o aborto é pior que o estupro".
No filme de Caldas, a garota tem 12 anos e sofre abusos de um tio. O restante do drama está todo lá, reencenado - e é, inicialmente, o centro das relações conturbadas de José com a arquidiocese. "O projeto estava em andamento quando aconteceu o caso da menina. Inserimos no filme para deixar mais clara a insatisfação do padre com a instituição da Igreja", contou o cineasta.
É o principal elemento social de "País do Desejo". Em cena, a questão soa mais intensa enquanto informação do que como estética aplicada ao filme, que parece pouco desenvolvida. Logo ao romper com a Igreja Católica, José se declara apaixonado pela pianista Roberta - o que soa bastante abrupto dentro da lógica construída até então. Fábio Assunção defendeu o trabalho de Caldas utilizando uma definição do próprio diretor: "É uma história de amor antes do amor acontecer", disse o ator.
*Publicado em "O Tempo" no dia 10.8.2011
*Publicado em "O Tempo" no dia 10.8.2011
*Foto de Gabriela DiBella/PressPhoto
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