"Um homem apaixonado é uma espécie de louco. É tipicamente um sentimento doloroso e patológico, porque, via de regra, o indivíduo perde a sua individualidade, a sua identidade e o seu poder de raciocínio".
O pensamento do narrador do conto "A Mulher do CEO", um dos 18 textos ficcionais inéditos contidos na antologia "Axilas e Outras Histórias Indecorosas", parece resumir à perfeição boa parte da obra literária de Rubem Fonseca.
Aos 86 anos, o escritor mineiro radicado no Rio de Janeiro retorna às livrarias depois da frustração proporcionada por seu último romance, "O Seminarista" (2009). Se este parecia um tanto apressado, como se Fonseca não estivesse tão a fim de concluir o próprio enredo que inventou, em "Axilas e Outras Histórias Indecorosas", ele demonstra ainda ter o vigor que o tornou um dos nomes mais relevantes da narrativa urbana brasileira. Há dezenas de imitadores, mas há apenas um Rubem Fonseca. São precisas poucas páginas para essa comprovação.
E de poucas páginas são os contos do livro, tanto quanto sucintos, diretos e muitas vezes desconcertantes. O universo do autor segue o de sempre: personagens do cotidiano inseridos em situações nas quais eles tomarão atitudes intensas a partir de pequenos gatilhos. Na maior parte das vezes, é a paixão avassaladora e instintiva que vai desencadear autênticas tragédias regadas a trapaças, mentiras, sangue e mortes, muitas mortes - como se tivessem sido arrancadas das páginas policiais de jornais populares.
Como nos momentos mais brilhantes de sua carreira, iniciada em 1963 com a publicação de "Os Prisioneiros", Fonseca trabalha o texto destituído de adjetivações. Em narrações de primeira pessoa, a ação corre solta, com um movimento imediatamente sendo seguido por outro. Não há fluxos de pensamento, reflexões, problematizações: sua literatura é a do choque, do imediato, da urgência, daquilo que vai explodir tão logo você passe para a linha de baixo.
Fonseca ainda se dá ao luxo de trabalhar referências e homenagens. Em alguns contos, é explícito (como a analogia a Edgar Allan Poe em "Mordida"); em outros, tangencial ("Paixão", novamente Poe; "Axilas", que fala em Machado de Assis); em mais uns, cita a si mesmo (em três contos há o delegado Guedes, personagem de seu romance "Bufo & Spallanzani"). O escritor também brinca com a língua, usando palavras provocativamente inesperadas ("cruciverbalista"), e com o próprio leitor, ao anunciar a veracidade de algumas situações evidentemente ficcionais.
É preciso reconhecer que Rubem Fonseca já não é o fenômeno criativo de épocas passadas. Mas é também justo dizer que um livro dele de qualidade continua sendo um imenso prazer aos olhos e à mente.
"Axilas e Outras Histórias Indecorosas"
Rubem Fonseca, ed. Nova Fronteira, 209 págs, R$ 39,90
*Publicado em "O Tempo" no dia 13.8.2011
**Foto: Associated Press
**Foto: Associated Press
2 comentários:
Adoro Fonseca. Se eu já estava a fim de comprar logo este novo livro, depois que li o teu texto, aumentou ainda mais a minha vontade!!
Ailton, não é dos melhores dele, mas é uma leitura rápida e empolgante. Vale a pena!
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