domingo, 7 de agosto de 2011

Melancolia

Alguns realizadores chegam a determinado ponto de suas carreiras e fazem o que bem entendem. Alguns mantêm as mesmas características, outros desenvolvem mais e mais suas obsessões. O dinamarquês Lars Von Trier está na segunda categoria. "Melancolia", novo longa do cineasta, que estreia hoje em Belo Horizonte, é, ao mesmo tempo, uma evolução e um desgarramento do que havia sido "Anticristo" há dois anos.

Von Trier retoma a noção de núcleo familiar como elemento podre da sociedade e desenvolve as relações entre um grupo de personagens a partir do evento de maior "união" possível - o casamento da filha mais nova, interpretada por Kirsten Dunst (vencedora do troféu de melhor atriz em Cannes neste ano).

É a ocasião mais clara para Von Trier destilar um veneno que discretamente vai tomando conta de todos em cena. O símbolo mais evidente do cataclisma que o diretor busca captar é a premissa de que um misterioso planeta (chamado pelos cientistas justamente de Melancolia) se aproxima da Terra. Uns creem numa colisão, outros apenas querem curtir um inesquecível evento natural a ser acompanhado de telescópio.

A sequência inicial já entrega o desfecho do filme, por meio de tom e montagem que muito lembram o começo de "Anticristo" em estilo e teor, ainda que, em "Melancolia", as situações tenham menos efeito causal do que no filme anterior.

Ou seja, o espectador já assiste consciente dos rumos "universais" que o enredo vai tomar. Daí que Von Trier tem plena liberdade para tratar dos rumos "pessoais" do recorte que definiu para servir de reflexo da crise mundial e íntima que estão no centro do filme.

"Melancolia" se divide explicitamente em duas partes, sendo a primeira - mais alegre e colorida, ainda que com rachaduras dentro do microcosmo familiar - uma espécie de prelúdio para a segunda, que já parte da noção de acúmulo do que tinha sido visto antes. Vai variar de cada espectador escolher alguma parte preferida, ou pode-se sempre optar por entender o conjunto como um desdobramento coerente dentro da obra de Von Trier.

É como se "Melancolia" fosse a reunião de "Ondas do Destino", "Dançando no Escuro", "Dogville" e "Manderlay", com pitadas de "Os Idiotas", para se tornar outra coisa. A curiosidade que fica é simples: para onde Von Trier pretende ir depois dessa? Antes de saber, é bom se proteger do impacto de "Melancolia".

*Publicado em "O Tempo" no dia 5/8/2011

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