domingo, 14 de agosto de 2011

Gramado 2011: premiação e balanço geral

O júri da 39ª edição do tradicional festival de cinema realizado na Serra Gaúcha foi esperto. Num ano de poucos destaques na competição de longas-metragens brasileiros, decidiu-se por polarizar os Kikitos entre aqueles que mais força apresentaram ao longo da última semana. “Uma Longa Viagem”, documentário de Lucia Murat, saiu com os troféus de melhor filme e melhor ator (para Caio Blat, que reencena algumas passagens da vida do irmão da diretora, personagem central da produção).

Mas as premiações a “Riscado” (melhor direção para Gustavo Pizzi, atriz para Karine Telles e roteiro para os dois) e a “As Hiper Mulheres” (montagem e especial do júri) mostram que não houve uma adesão unânime a apenas um trabalho em competição. No caso específico deste ano, em que a própria seleção apresentou irregularidades de um trabalho a outro, fatiar os Kikitos foi uma solução bastante coerente e meritória.

“Uma Longa Viagem” foi apresentado em Gramado exatamente 22 anos depois de “Que Bom Te Ver Viva”, filme da mesma Lucia Murat, premiado no Festival de Brasília em 1989 e que utiliza procedimento bastante similar ao mais recente, tendo Irene Ravache em cena, durante registro das memórias de mulheres presas e torturadas no regime militar brasileiro.

“Naquela época, exibir o filme aqui era algo que me parecia muito duro”, disse a diretora, em emocionado discurso ontem, no Palácio dos Festivais. “Esse que fiz agora (‘Uma Longa Viagem’) foi muito importante e partiu da minha dor de perder um irmão. O medo de mostrá-lo ao público também era muito grande”. O filme já tinha ganhado prêmio da crítica no Festival de Paulínia, há poucas semanas.

Era a escolha natural e mais evidente do júri em Gramado. Apesar da força sensorial e fascinante de “As Hiper Mulheres” e da força narrativa e interpretativa de “Riscado”, dar um Kikito para Lucia Murat por “Uma Longa Viagem” é um prêmio não apenas ao filme, mas também a uma cineasta percorre notável e combativa trajetória no cinema brasileiro.

Murat coloca as próprias angústias na tela e sempre chamou atenção pelo teor político de seus trabalhos, tanto na ficção quanto no documentário. Ainda que “Uma Longa Viagem” tenha algumas ressalvas possíveis de serem feitas, é trabalho de uma autora consistente em contato íntimo com a história de sua vida e da família. A um festival como Gramado, sempre às voltas com a atenção desmedida a estrelas televisivas, premiar projeto tão pessoal e pontual é uma ótima maneira de encontrar alguma redenção.

*Publicado em "O Tempo" no dia 14.8.2011

OS PREMIADOS

Longa-metragem brasileiro

Melhor montagem: Leonardo Sette por "As hiper mulheres"
Melhor fotografia: Roberto Henkin, por "O carteiro"
Melhor roteiro: Gustavo Pizzi e Karine Teles por "Riscado"
Melhor atriz: Karine Teles por "Riscado"
Melhor ator: Caio Blat por "Uma longa viagem"
Melhor diretor: Gustavo Pizzi, por "Riscado"
Especial do júri: "As hiper mulheres", de Leonardo Sette, Carlos Fausto e Takumã Kuikuro
Melhor filme em longa-metragem brasileiro: "Uma longa viagem", de Lúcia Murat

Curta-metragem

Melhor montagem: Mair Tavares e Tina Saphira, por "Um outro ensaio"
Melhor fotografia: Jacques Dequeker, por "Polaroid circus"
Melhor roteiro: Rodrigo John, por "Céu, inferno e outras partes do corpo"
Melhor atriz: Dira Paes em "Ribeirinhos do asfalto"
Melhor ator: José Wilker em "A melhor idade"
Especial do júri: "Rivelino", de Marcos Fábio Katudjian
Melhor diretor: Natara Ney por "Um outro ensaio"
Melhor filme curta-metragem nacional: "Céu, inferno e outras partes do corpo", de Rodrigo John

Longa-metragem estrangeiro

Melhor fotografia: Serguei Saldivar Tanaka, por "La lección de pintura"
Melhor roteiro: Sebastián Hiriart, por "A tiro de piedra"
Melhor atriz: Margarida Rosa de Francisco, por "García"
Melhor ator: Gabino Rodríguez, por "A tiro de piedra"
Melhor diretor: Gustavo Taretto por "Medianeras - Buenos Aires na era do amor virtual" e Sebastián Hiriart, por "A tiro de piedra"
Especial do júri: "Las malas intenciones", de Rosario Garcia-Montero
Melhor filme longa-metragem estrangeiro: "Medianeras - Buenos Aires na era do amor virtual", de Gustavo Taretto

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