quarta-feira, 24 de agosto de 2011

"Lola", de Brillante Mendoza

Por nunca ter estreado antes no circuito brasileiro, o cinema do filipino Brillante Mendoza é pouco conhecido no país. Uma pena, visto ser não apenas um cineasta de forte expressividade, mas também porque o universo abordado por ele tem muitas semelhanças com a realidade brasileira. "Kinatay" (2009), premiado em Cannes, poderia perfeitamente ser ambientado em alguma metrópole brasileira, se os realizadores daqui bancassem uma produção tão brutal.

Mas é de "Lola" que cá estamos a falar. Exibido em 2010 no Festival de Veneza, trata-se do mais recente filme de Mendoza, e talvez o mais doce. A família, centro nervoso de "Serbis" (2008), ganha novos contornos, desta vez sob o olhar vivido e sofrido de duas senhoras que parecem sobreviventes de uma Manila sempre sob chuva, violência e incerteza.

Uma delas é avó de um rapaz morto a facadas nas ruas da cidade; a outra tem o mesmo laço sanguíneo justamente com o assassino do garoto. Serão caminhos cruzados pela tragédia e pelo acaso, atados por circunstâncias econômicas e sociais que fazem com que a dor das duas, apesar das diferenças de situação (uma está em luto; a outra, em vigília), aproxime-se de desesperos muito parecidos.

Um dos encantamentos de "Lola", mesmo diante de momentos tão tristes e imagens tão doídas, é a interpretação das atrizes Anita Linda e Rustica Carpio. Ambas são as "lolas" (termo usado nas Filipinas como tratamento a senhoras de terceira idade, equivalente a "vovó"), que servem de catalisador para Mendoza retratar um mundo palpável e cheio de arestas e nuances difíceis de definir. A linguagem beira o documental, sem nunca deixar de ser ficção, encenação, criação de realidade. Será da transparência do procedimento que emergirá a verdade vinda da tela, como se aquilo tudo estivesse acontecendo no exato instante em que assistimos ao filme.

Mendoza é desses cineastas que utilizam o máximo de artifícios cênicos para dar a ilusão de que nenhum artifício foi utilizado. É a forma de nos fazer mergulhar numa narrativa de complexidade puramente humana, na qual tomamos contato com figuras que não conhecemos nem nunca vimos antes, mas, de repente, percebemos o quanto nos importamos com elas.

Daí vêm cenas pequenas e muito significativas, como a fotografia de olhos fechados, as conversas na prisão, o velório do neto numa cerimônia em cima de botes e a conversa definitiva, que dará o desenlace de um conflito aparentemente banal e, tanto por isso, profundamente relevante dentro de um contexto muito maior.

Sem a busca pelo choque que marcou "Tirador" (2007), "Serbis" e "Kinatay", Brillante Mendoza não deixa de lado a brutalidade, desta vez inserindo-a menos nas imagens do que no contexto, menos nos recursos audiovisuais do que na face enrugada de duas idosas ainda à deriva no mundo.

*Publicado no jornal "O Tempo" no dia 22.8.2011

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