sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Abbas Kiarostami e o Japão


Há aproximadamente 18 anos, Abbas Kiarostami caminhava pelas ruas de Tóquio quando viu passar uma jovem de uniforme estudantil branco. A imagem da moça - seus traços, suas roupas, a movimentação, o jeito algo enigmático - fascinou o cineasta do Irã a ponto de ele alimentar, por todo esse tempo, a vontade de narrar uma história ambientada naquela cidade com uma personagem que se assemelhasse à tal garota. "Se eu tivesse uma câmera fotográfica naquele dia, talvez nunca tivesse pensado mais nisso", comenta ele.

Sem câmera na ocasião, Kiarostami esperou quase duas décadas para, enfim, jogar na tela as imagens e a narrativa fascinantes de "Um Alguém Apaixonado", filme que está na programação da 36ª Mostra de São Paulo e cuja primeira exibição aconteceu na noite de domingo, no Cinesesc, com a presença do diretor. O iraniano está na cidade tanto para acompanhar o longa quanto para ser agraciado com o Prêmio Leon Cakoff 2012, tributo antes conhecido como Prêmio Humanidade e que, a partir desta edição, leva o nome do fundador da Mostra, falecido no ano passado.

"Um Alguém Apaixonado" foi todo realizado em Tóquio, com elenco japonês e um universo de urbanidade que, como o próprio Kiarostami frisa, só poderia existir da forma que ele buscava no Japão. Trata-se de seu segundo filme seguido fora do Irã - antes, ele filmara "Cópia Fiel" (2010) na Itália. "Sempre faço o mesmo filme, de alguma forma, independente de onde estou. Sou eu ali filmando o tempo todo", simplifica ele.

Na juventude, Kiarostami, hoje aos 72 anos, assistiu a inúmeros trabalhos japoneses na Cinemateca de Teerã. Diz ter sido um fiel admirador de Yasujiro Ozu (1903-1963). Na pré-produção de "Um Alguém Apaixonado", ele viu alguns trabalhos recentes feitos no país e ficou decepcionado. "Acho que estão apenas querendo imitar Hollywood".

Em "Um Alguém Apaixonado", a estudante Akiko (Rin Takanashi) inicia o filme sendo convocada para um trabalho aparentemente enigmático ao espectador na casa de um professor (Tadashi Okuno). Antes, ela precisa lidar com o namorado ciumento (Ryo Kase). O emaranhamento desses três personagens vai ser o centro do filme; detalhar o que acontece tira a experiência que é se impregnar pelo caminhar lento e hipnótico desenvolvido por Kiarostami.

Sob total controle do tempo de cada cena e utilizando de um trabalho de fotografia especial, ele demonstra pleno domínio da forma, levando adiante questões caras ao seu cinema, como identidade, falsidade, deslocamento e sentimentos conflituosos - tudo a partir de gestos, lacunas e olhares. "Tentei não me deixar influenciar pelo fato de estar em Tóquio como alguém de fora, de não permitir que o filme soasse como a visão estrangeira de outra cultura", conta. "Deixei que o filme transparecesse o olhar de um cidadão de Tóquio, a partir de um acontecimento que fosse parte do cotidiano da cidade".

* Originalmente publicada em "O Tempo" em 30.10.2012
* Foto de Abbas Kiarostami por Mário Miranda/Agência Foto

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