O acontecimento cinematográfico do ano em Belo Horizonte tem dia, hora, lugar e tempo de duração marcados. Amanhã [5 de setembro], às 14h30, no Oi Futuro Klauss Vianna, começa a projeção de "Sátántangó", filme monumental do diretor húngaro Béla Tarr, com 7 horas e 30 minutos de duração - divididas em 12 partes e dois intervalos.
O longa, em película 35mm, foi trazido à capital pela produtora Zeta Filmes para a retrospectiva de Tarr, uma das atrações da mostra Indie 2011, cuja programação segue até a próxima quinta-feira. Lançado em 1994, "Sátántangó" (em português, seria "o tango de Satã") adapta o romance de László Krasznahorkailogo. O autor colaborou no roteiro do filme.
O enredo acompanha o cotidiano numa fazenda coletiva da Hungria que entra em colapso durante um rigoroso inverno. Ao mesmo tempo em que os trabalhadores recebem uma quantia financeira como indenização, eles ficam temerosos ao saberem que um antigo morador do local - com fama de feiticeiro e bruxo - estaria voltando.
"Sátántangó" foi considerado a obra-prima de Tarr, diretor cuja carreira se iniciara em 1977 com "Ninho Familiar" e tivera uma primeira grande guinada em 1987 com "Maldição" (também conhecido por "Danação" ou "Condenação"). O filme foi recebido com entusiasmo nos meios culturais, incluindo um ensaio elogioso da escritora Susan Sontag (1933-2004), no qual ela o considerava "devastador e apaixonante em cada minuto de suas sete horas". E completava: "Eu ficaria feliz em vê-lo todos os anos pelo resto da minha vida".
Para Ranieri Brandão, crítico de cinema e editor da revista eletrônica Filmologia (www.filmologia.com.br), é em "Sátántangó" que Tarr atinge a plenitude narrativa, tanto material quanto espiritual. "É aqui que, finalmente, aquela espécie de ‘frações de mundo’ de seus outros filmes se acomodam numa narração mais pautada, mais limpa e controlada pelo diretor", frisa Brandão.
O crítico aponta um caráter de apocalipse iminente em toda a obra de Béla Tarr, cujo ápice se dá em "Sátántangó". Brandão acredita que o tom de fim do mundo se deva à queda do comunismo na Hungria, ocorrida em 1989 após 42 anos de regime. "Essa mudança histórica serviu ao filme para o estabelecimento do cenário, o clima de abandono, a deterioração dos espaços no país", afirma o crítico. "O mundo que se abre para a Hungria de Tarr, depois do regime, é extremamente misterioso e material demais e está explicitado nas paredes descascadas e sujas".
Béla Tarr - hoje com 56 anos de idade e, segundo ele mesmo revelou no Festival de Berlim em fevereiro deste ano, aposentado do cinema depois de "O Cavalo de Turim", seu filme mais recente (e incluído no Indie) - diz ter se inspirado na cadência do tango para estruturar o filme, com a ideia de seis passos para a frente e seis para trás. O ritmo está impresso no desenvolvimento marcadamente redundante dos personagens e na própria separação em 12 capítulos.
Esteticamente, o filme leva ao ápice o rigor do cineasta. Não apenas pelas mais de sete horas de duração, mas pelo ritmo racionalista, de planos fixos e movimentos de câmera lentíssimos, enquadrados pela fotografia em preto e branco de Gábor Medvigy. "Tarr talvez queira dizer muito pouco, mas a intensidade do que diz faz valer cada minuto", escreve a curadora Francesca Azzi no catálogo do Indie. "Cada evento (no filme) é contado mais de uma vez, sob um outro ponto de vista, criando um quebra-cabeças engenhoso e soturno".
DVD. Uma boa notícia é de que a distribuidora Lume Filmes confirmou o lançamento, para 2012, do longa de Béla Tarr no formato DVD, em três discos. "É um filme ousado em todos aspectos, desde sua narrativa, os longos planos, seus silêncios e sua duração", diz Frederico Machado, proprietário da Lume. "Compartilhar esse trabalho para o grande público é uma satisfação que nos move".
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