Ainda no útero, ele estrangulou o irmão gêmeo com o cordão umbilical e matou a mãe no parto. Jovem, estudou artes arcanas e misticismo. Fumante inveterado, tocou na banda de rock Membrana Mucosa, enviou acidentalmente a alma de uma garotinha para o inferno e recebeu transfusão de sangue de um demônio.
Estes são apenas alguns elementos da concepção de John Constantine, o bruxo inventado pelo escritor inglês Alan Moore e protagonista da revista mensal "Hellblazer". O personagem completou 25 anos de criação em 2010. Para celebrar, a editora DC Comics lançou o álbum "Pandemônio", história na qual Constantine aparece numa trama envolvendo um atentado a bomba no museu de Londres e estranhos artefatos sumérios. Escrita por Jamie Delano - o primeiro roteirista de "Hellblazer" - e desenhada por Jock, a edição especial chegou às bancas brasileiras na última semana [em março de 2011], fechando o ciclo de aniversário do personagem.
Na verdade, Constantine surgiu pela primeira vez em 1985, na revista mensal do Monstro do Pântano, então escrita por Moore. Inicialmente apenas coadjuvante - ele surgia no enredo como um "guru" do Monstro, ensinando-lhe a usar seus poderes -, Constantine chamou atenção dos leitores desde o começo. O mistério em torno de seu passado, a ironia tipicamente britânica, o diálogo com criaturas sobrenaturais e o visual inspirado no cantor Sting, ex-vocalista da banda The Police, renderam ao personagem um título próprio.
Em janeiro de 1988, chegava às bancas a primeira "Hellblazer" (ou "desbravador do inferno", numa tradução aproximada), com roteiros de Delano e desenhos de John Ridgway. A HQ serviu de estopim para a fundação do selo Vertigo, em 1993, com histórias de teor adulto. Até hoje, "Hellblazer" segue como o título mais antigo ainda em publicação pela Vertigo, estando atualmente na edição 277 nos EUA. No Brasil, sua publicação é meio atrapalhada, mas tem sido ajustada pela Panini, que atualmente edita a série no mix mensal da revista "Vertigo". Por aqui, "Hellblazer" ainda está no número 190, com roteiros de Mike Carey.
"O maior legado do John Constantine foi ter sido um dos primeiros personagens moralmente ambíguos dos quadrinhos, deixando completamente de lado o heroísmo clássico e permitindo uma ‘flexibilidade moral’ para os protagonistas das séries", diz Fabiano Denardin, atual editor da HQ no Brasil. "É difícil imaginar que teríamos algumas séries sem ter tido "Hellblazer" antes. ‘Preacher’, por exemplo, feita por Garth Ennis após ele ter trabalhado com "Hellblazer". Talvez nem tivéssemos ‘Sandman’, de Neil Gaiman, se não houvesse Constantine".
Para o crítico de HQs Eduardo Nasi, "é bastante surpreendente que a série tenha chegado até aqui tão intacta". "‘Hellblazer" não chega a ser um campeão de vendas, mas Constantine continua o mesmo mago inglês loiro arrogante, que bebe, vai a pubs e enfrenta demônios", destaca. Nasi acredita que a longevidade de "Hellblazer" se deva muito ao espírito jovem e ousado do protagonista. "Constantine inicia sua trajetória assim: um punk sem nada de especial que começa a explorar o mundo e vai muito além do que nós geralmente vamos. Ele conjura demônios, faz sexo sem pudores, usa todo tipo de droga e se mete em todo tipo de merda. Ele me parece muito mais um cara que busca experiências do que, de fato, um adulto formado".
Denardin crê que a maior diferença de Constantine em relação a seus colegas de HQ está justamente nessa liberdade. "Um herói tem os limites bem definidos. Um anti-herói permite o que a imaginação de um escritor quiser fazer sem descaracterizá-lo", diz.
Em 2005, e depois de anos de especulação, a revista em quadrinhos "Hellblazer" se tornou o filme "Constantine". Porém, quase nada do que se sabia da HQ foi para as telas. A começar pelo próprio personagem central. Britânico, loiro e mal encarado, John Constantine foi encarnado no cinema pelo norte-americano, moreno e rosto-de-bebê Keanu Reeves. A ambientação da trama saiu das ruas sombrias de Londres para o universo pop de Los Angeles.
Apesar de inspirado no arco de histórias "Hábitos Perigosos", publicado em 1991, o roteiro do longa de Francis Lawrence pouco guardou de semelhanças com o universo original de "Hellblazer". Mesmo assim, foi sucesso de bilheteria na época.
Publicação no Brasil
"Hellblazer" foi publicado pela primeira vez no país em 1990, na revista mensal "Monstro do Pântano", em formatinho, pela editora Abril. Em 1995, a Abril lançou a publicação mensal "Vertigo", contendo histórias com John Constantine escritas por Garth Ennis. A revista, porém, só durou um ano.
Em 1997, as HQs do bruxo inglês migraram para a editora Metal Pesado, que as publicaram de forma bastante irregular, até a Brainstore assumi-las em 2000. A Pixel editou a série no final da década passada, em diversos álbuns especiais. Atualmente, "Hellblazer" sai pela Panini em histórias mensais e encadernados esporádicos.
*Publicado em "O Tempo" no dia 27.3.2011
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