sábado, 28 de dezembro de 2013

Entrevista: William Friedkin sobre "Killer Joe"

*Publicado originalmente no jornal "Valor Econômico" em 7.3.2013

O ator Matthew McConaughey e o diretor William Friedkin
Em fevereiro de 1974, "O Exorcista" tomou 15% da renda do mercado de cinema nos Estados Unidos, arrecadando, ao fim de sua temporada, US$ 160 milhões (numa época em que o ingresso custava apenas US$ 3). Homem responsável pela façanha de, pela primeira vez, transformar um filme de horror em fenômeno de massa, o cineasta William Friedkin virou lenda em Hollywood - anos antes, em 1972, ele ganhara o Oscar de melhor diretor por "Operação França".
Mesmo seguindo no ofício pelas quatro décadas seguintes, Friedkin não conseguiu repetir o impacto cultural de "O Exorcista". Após alguns anos fazendo filmes que foram fracassos comerciais, o diretor se renovou ao se aproximar do dramaturgo Tracy Letts, autor das peças que originaram "Possuídos" (2006) e "Killer Joe - Matador de Aluguel", que estreia no Brasil nesta sexta-feira.
Com Matthew McConaughey (de "Magic Mike") e Emile Hirsch ("Na Natureza Selvagem") no elenco, o filme, que concorreu ao Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2011, conta a história de um traficante de drogas que contrata um assassino para matar a própria mãe a fim de usar o dinheiro do seguro para pagar suas dívida. Leia a seguir a entrevista com o cineasta de 77 anos.
"Killer Joe - Matador de Aluguel" se passa numa comunidade pequena, com pessoas aparentemente comuns cometendo atos de violência e perversão. O aspecto mundano dos personagens foi um elemento essencial ao filme?
 Todos os personagens são gente comum não só na América, mas no mundo inteiro. A ambição faz as pessoas cometerem coisas estúpidas de maneira a satisfazer seus desejos. Imagine: no enredo, pai e filho querem dar a filha e irmã para esse matador e querem que ele mate a mãe dela. É um comportamento estranho, mas não é atípico a algumas pessoas. [O dramaturgo] Tracy Letts pegou essa história de um caso real que ele leu nos jornais da Califórnia. É assustador, e acontece todos os dias.
Um elemento de impacto em "Killer Joe" é o clima de opressão, como se algo ruim estivesse sempre para acontecer. A narrativa é clara e objetiva em tudo, algo característico nos seus filmes.
Eu acredito na objetividade. Não tento justificar nem julgar os personagens e deixo o final ambíguo, para que o público determine o que pode acontecer. Eu mesmo não sei o que acontece com aqueles personagens quando o filme acaba e me divirto com as várias opiniões discordantes sobre isso. Não quero dar respostas sobre o que sentir em relação àquelas pessoas em cena, então conto da maneira mais clara e deixo toda a ambiguidade aflorar.
Uma das cenas mais fortes e tensas envolve um frango frito da rede KFC. Ela estava originalmente na peça de Letts?
Sim, a cena estava na peça, mas não me lembro se ela era tão longa como a que coloquei no filme. Sinto que meu trabalho como diretor é proporcionar uma atmosfera para o elenco e a equipe se sentirem livres para criar. Passamos muito tempo falando não só dessa cena, mas de todas as outras, e queria que cada ator entendesse o que acontecia e por que acontecia. Então eles simplesmente faziam. Não havia nenhuma tensão no set. Fizemos a cena do frango apenas duas vezes, de pontos de vista distintos, porque tínhamos só uma câmera. É uma bela cena de punição e de vingança.
O que tanto o aproxima de Tracy Letts, dramaturgo de quem o senhor adaptou as peças "Bug" ("Possuídos") e "Killer Joe" para o cinema?
Temos o mesmo ponto de vista sobre o mundo. "Possuídos" fala de como duas pessoas ficam perto uma da outra, absorvidas pela paranoia. "Killer Joe - Matador de Aluguel" é uma comédia de humor negro sobre a linha entre o bem e a mal, e Tracy tem uma visão bastante peculiar sobre isso. Eu só filmei esses dois textos, mas dirigi outra peça dele no palco, na Califórnia. Estamos conversando sobre um próximo projeto no cinema, que deverá ser um roteiro original dessa vez.
O seu cinema é marcado por personagens obsessivos e impetuosos, dotados de moral e crenças muito próprias. De que maneira o senhor se aproxima da psicologia tão particular de pessoas assim para retratá-las em cena?
Já senti de alguma forma todas as emoções que coloco nas telas. Não faria um filme se não entendesse os personagens e não faço filmes há 45 anos por outro motivo senão pelo fato de que eu compreendo como se sentem as pessoas que retrato. Tudo o que escolhi filmar foi motivado pelo meu interesse pessoal nessas figuras e, por isso, me tornei cineasta. Por exemplo, já tive o instinto de machucar, já senti vontade de matar alguém. Nunca matei ninguém, é claro, mas entender o sentimento torna mais fácil abordar um personagem com o impulso de matar outra pessoa. Em tudo que faço e assisto gosto de ser envolvido nesse nível de intensidade.
O senhor está finalizando "The Friedkin Connection" [previsto para ser lançado em 16 de abril nos EUA], um livro de memórias. Que tipo de recorte foi feito na sua vida e obra?
Espero que chegue ao Brasil. É uma autobiografia que me tomou três anos. Esperem muita honestidade sobre os meus sentimentos e de tudo que é mais importante para mim. Escrevo basicamente sobre minhas experiências no cinema e na ópera. Claro, a maior parte do livro é sobre aspectos profissionais, porque não sou o George Clooney. As pessoas não devem ter mais interesse na minha vida pessoal do que nos meus filmes.
O senhor tem alguma relação com o Brasil?
Friedkin: Gosto muito do país de vocês! Tenho um projeto de documentário, a ser filmado em Imax, sobre o Carnaval, essa festa que conheci ao assistir a "Orfeu Negro" (1950), de Marcel Camus. Na verdade já seria meu próximo trabalho, mas por alguns problemas ele não foi feito, e acabamos por filmar "Killer Joe". Ainda pretendo fazê-lo. Além disso, a esposa de Matthew [McConaughey], Camila Alves, é do seu país, de Minas Gerais [da cidade de Itambacuri].
Apesar de dizer que não acompanha a produção atual de cinema, o senhor é fã dos irmãos Coen. O que gosta neles?
Friedkin: Meu favorito dos Coen ainda é o primeiro, "Gosto de Sangue" [1984], mas gosto muito de "Onde os Fracos Não Têm Vez" [2007] e adoro "Um Homem Sério" [2009], filme hilário que lembra muito a minha infância. Eles são grandes cineastas, que não se deixam levar pelos estúdios. Os Coen se baseiam naquilo que realmente os interessa e têm uma técnica muito precisa. São mais intensos do que qualquer um que trabalhe hoje em Hollywood.


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