A organização do Festival de Cannes divulgou nesta semana o cartaz da 65ª edição do evento francês, a ser realizado em maio. A imagem mostra Marilyn Monroe (1926-1962) assoprando as velas de um bolo de aniversário. O festejo é do festival, mas a fotografia tem outro sentido muito forte: em 2012, completam-se 50 anos da morte de Marilyn, encontrada já falecida em seu apartamento após uma overdose de barbitúricos.
Diva até hoje tão enigmática quanto fascinante, Marilyn Monroe mantém um culto interminável e intenso em torno de sua figura. A Fox aproveita a efeméride e relança no mercado brasileiro a Coleção Diamante, duas caixas de DVDs contendo o total de 11 longas-metragens protagonizados pela loira, nascida morena em Los Angeles e cujo nome de batismo era Norma Jean Mortensen.
Existe um mito em torno da ideia de que a atriz era o estereótipo da loira burra, atrapalhada e avoada, muito reforçado por seus papéis em "O Inventor da Mocidade" (1952), "Como Agarrar um Milionário" (1953), "Os Homens Preferem as Loiras" (1953) e "Quanto Mais Quente Melhor" (1959). Mas Marilyn não era a boba que sua imagem (e a mídia) vendia, e algumas de suas escolhas - na vida e na carreira - permitem perceber o quanto nem tão ingênua ela era.
A atriz se envolveu, por exemplo, em algumas raras incursões dramáticas, na maior parte das vezes de forma bem-sucedida. Menos conhecidos, "Almas Desesperadas" (1952) e "Torrentes de Paixão" (1953) revelaram uma faceta pouco explorada de seu talento: a da mulher perturbada e disposta a variadas loucuras para atingir objetivos. No primeiro, ela é uma babá obcecada em não permitir que a criança de quem cuida atrapalhe o romance que ela tenta engatilhar; no outro, próxima do "noir", ela é a esposa traidora que tenta fazer o amante assassinar seu marido.
Em participações menores, antes da fama, Marilyn já tinha tentado se firmar de forma mais séria e nada caricata - como nas breves aparições em "A Malvada" e "O Segredo das Joias", ambos de 1950.
Mas não teve jeito. A indústria de Hollywood se encantou com a jovem a ponto de querer apenas vê-la ora sorrindo, ora fazendo carinha de sapeca, ou tentando conquistar homens ricos ou querendo suprir carências físicas e afetivas ou se fazendo de difícil em nome de um amor mais puro, sincero e justo - ou simplesmente sendo aquela vizinha tentadora que desestabiliza um casamento.
A outra esperteza da atriz, portanto, foi saber se adequar ao que essa indústria pedia dela. E por mais que haja ressalvas a alguns de seus trabalhos, fato é que Marilyn Monroe era uma ótima comediante. Sabia trabalhar as expressões faciais, o corpo e a movimentação para fazer todo tipo de graça. A maldosa brincadeira recorrente de que ela nem precisava interpretar, bastando ser ela mesma na hora das filmagens para transmitir a característica da lerdinha, guarda muito da capacidade de Marilyn em saber fazer graça com a imagem que construíram dela.
A vida pessoal da atriz, repleta de desencontros e desilusões, contribuiu para sua persona cinematográfica. O público olhava o filme e enxergava Marilyn Monroe ela-mesma, devassada pela imprensa em detalhes sórdidos. Ela, midiática, também não se poupava. E não deu conta.
Os filmes, porém, estão aí. Alguns apenas regulares ("Nunca Fui Santa"), outros absolutamente geniais ("Quanto mais Quente Melhor", "O Inventor da Mocidade") e um que parecia antever o melancólico destino da atriz ("Os Desajustados", seu último trabalho lançado, um ano antes de ela morrer). A caixa ainda contém o documentário "O Fim dos Dias", com suas últimas imagens registradas para um filme inacabado.
*Publicado em "O Tempo" no dia 1.3.2012