Quando "Operação França" e "O Exorcista" fizeram de William Friedkin um dos nomes mais quentes de Hollywood, no começo dos anos 1970, tudo o que a indústria podia esperar era um cineasta disposto a seguir o caminho mais óbvio do sucesso. Mas Friedkin fazia parte de uma geração de jovens realizadores disposta a se arriscar em projetos o mais anticonvencionais possíveis (dessa leva ainda havia, entre outros, Martin Scorsese, Francis Coppola, Michael Cimino e Arthur Penn).
Por sua personalidade naturalmente truculenta e desafiadora, Friedkin se enveredou em trabalhos sempre arriscados - e que se tornaram fracassos comerciais, justamente por irem contra qualquer regra. Um deles foi "Parceiros da Noite" (1980), cujo lançamento em DVD no Brasil (via Lume) se deu apenas recentemente - o que diz bastante da má repercussão do filme na época e que ainda prejudica sua visibilidade.
Ainda é tempo de redimi-lo, e quem assiste a "Parceiros da Noite" se submete a um dos mergulhos psicológicos mais perturbadores daquele período. As várias sequências em clubes gays de Nova York, filmadas com espontaneidade, hoje provocariam bem menos celeuma do que a maneira seca, objetiva e distanciada com que Friedkin retrata as mudanças comportamentais do protagonista, interpretado por um jovem Al Pacino (aos 35 anos na época).
Ele é Burns, policial novato, ambicioso e heterossexual a quem é dada a missão de se infiltrar na noite gay nova-iorquina com o objetivo de servir de isca a um violento assassino de homossexuais. O filme acompanha inicialmente a investigação do personagem, mas, a certa altura, passa a radiografar os efeitos da ação na rotina e nos pensamentos do policial.
É nessa mudança de perspectiva do filme - que acompanha brilhantemente o mergulho cada vez mais fundo de Burns num mundo até então desconhecido a ele - que "Parceiros da Noite" mantém sua força. Quando vemos Burns drogado se lançando com completa liberdade numa pista de dança, sentimos haver algo de realmente esquisito acontecendo diante de nós, espectadores. Aquilo não é mais uma investigação policial. É o delineamento de uma possível nova realidade.
Friedkin sempre foi um cineasta interessado nesses processos em que alguém acaba por se tornar parte integrante daquilo que investiga ou testemunha. Já era assim mesmo antes de "O Exorcista" e continua sendo - vide seu último trabalho lançado no Brasil, a obra-prima "Possuídos" (2006). Resgatar "Parceiros da Noite" três décadas depois de seu banimento é fundamental.
Antes mesmo de estrear, em 1980, "Parceiros da Noite" foi alvo de protestos. A oposição vinha de movimentos GLS, que se opunham a uma suposta visão negativa do filme para com o universo gay ou, mais que isso, acreditavam que um filme sobre a caçada a um assassino de homossexuais só podia ser alguma investida de Hollywood a favor do conservadorismo.
Ainda que, efetivamente, o filme não corrobore nenhum dos ataques da época, o diretor William Friedkin teve seu poder artístico radicalmente diminuído. Seu principal filme depois de "Parceiros da Noite" foi "Viver e Morrer em Los Angeles" (1985), feito com orçamento bastante modesto. E assim se seguiu. Friedkin continuou como um autor convicto, mas seus filmes amargaram ostracismos quase sempre injustos.
*Publicado em "O Tempo" no dia 23.2.2012
*Publicado em "O Tempo" no dia 23.2.2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário