tag:blogger.com,1999:blog-46169817064320843362024-03-13T11:50:48.570-07:00No ExtracampoCinema, literatura & quadrinhos
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<b>Criticas, resenhas, artigos e reportagens de Marcelo Miranda</b></p>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.comBlogger72125tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-70216139556813237272023-08-07T21:13:00.001-07:002023-08-07T21:14:11.391-07:00Um passeio pela obra de William Friedkin [até 2006]<p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><em style="color: #666666; text-align: justify;"><span style="color: #333333;"><b>*Originalmente publicado na revista eletrônica "Filmes Polvo" em 2007</b></span></em></span></p><p><em style="color: #666666; font-family: georgia; font-size: large; text-align: justify;"><span style="color: #333333;">O tema de quase todos os meus filmes é a linha tênue entre o bem e o mal. Isso existe em todos nós. Todos temos essa batalha íntima dentro de nós, os nossos anjos de batalha contra o lado demoníaco. Eu acho que isso está em todo mundo, o tempo todo. E os meus filmes são sobre essa separação tão delicada - </span></em><strong style="color: #333333; font-family: georgia; font-size: large; text-align: justify;">William Friedkin</strong></p><span style="color: #333333; text-align: justify;"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><br />Quando se fala ou pensa em William Friedkin, logo vem à mente dos cinéfilos o homem por trás de <em>O Exorcista</em> (1973). Dos ainda mais cinéfilos, pode vir também (antes ou depois da lembrança do filme demoníaco) o policial <em>Operação França</em> (1971), que, lançado no começo dos anos 70, moldou muito do que até hoje se assiste no gênero. Mas, diferente do que se apregoa mais aos quatro cantos do que seria justo e merecido, Friedkin teve (ainda tem) carreira de notável vigor técnico e artístico. Homem de ação e movimento, fez do cinema um espaço para idéias muito particulares sobre a natureza humana. Existe o preconceito de que o cinema de gênero nada mais é do que isso – um cinema de gênero no seu sentido mais estrito, em que determinada história é contada a partir de uma série de regras fixas, pré-estabelecidas e sem qualquer tipo de desafio a um possível <em>status quo</em> do próprio gênero em questão. Mas alguns cineastas, quando inspirados e dotados de sua máxima capacidade criativa, conseguem driblar o simplismo de uma premissa ou de um lance de roteiro para colocar no filme suas obsessões e, dali, tentar compreender – ou, pelo menos, registrar – determinados anseios que movem o homem.<br /><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSuQ1fkw2ZUDvkd2FHI_5bqRavUQ6NZeMsKh7KsFR_9r-3x8WEvvbofEny2HxKbre1MrMsc8FT-qGSVK7cZenC8SHcW5flWUSAeAIV4TWSBdE0NXSAt2NewU4aY7hFVOceQ-2xFkKL0usLMGzC33hoNR_ESqaiboF_owGNEzTTIu5_UEpHb1gr_NjcIFo/s1200/friedkin2.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="931" data-original-width="1200" height="248" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSuQ1fkw2ZUDvkd2FHI_5bqRavUQ6NZeMsKh7KsFR_9r-3x8WEvvbofEny2HxKbre1MrMsc8FT-qGSVK7cZenC8SHcW5flWUSAeAIV4TWSBdE0NXSAt2NewU4aY7hFVOceQ-2xFkKL0usLMGzC33hoNR_ESqaiboF_owGNEzTTIu5_UEpHb1gr_NjcIFo/s320/friedkin2.jpg" width="320" /></a></div>Obsessão, aliás, é palavra-chave no cinema de William Friedkin, e é a partir disso que iremos falar de seu cinema aqui neste humilde artigo – que tem, mais do que a pretensão de querer tirar de um certo esquecimento vigente sobre a relevância de Friedkin, exaltar uma obra coerente e autoral, ainda que muitas vezes irregular e cheia de falhas. O “gancho” (para usar jargão jornalístico) é o lançamento nos cinemas brasileiros de <em>Possuídos</em>, mais recente trabalho do cineasta a chegar aos nossos olhos – isso, depois de mais de um ano de sua exibição no Festival de Cannes, na França, onde foi premiado na Quinzena dos Realizadores, mostra paralela dedicada a projetos de maior grau de ousadia e experimentação.<br /><br />A um cineasta tachado de generalista, como é caso de Friedkin, pode surpreender a alguns vê-lo num evento do porte de Cannes. Pois <em>Possuídos</em> (péssima tradução brasileira para o muito mais instigante <em>Bug</em>) consegue reunir todas as características do cinema de Friedkin e ainda soar original e único – dentro de sua filmografia e dentro de uma certa caretice que vem sendo imposta ao cinema americano. O filme possui radicalidade poucas vezes vista num “produto” similar, ainda mais protagonizado pela queridinha Ashley Judd, o que pode atrair desavisados que pensem estar indo assistir a algum terror na linha “assassino-em-série” ou “demônio-que-invade-corpo-e-arruma-confusão”. Pois assim como fez com o horror, o policial, o drama e o suspense, Friedkin torna o tal “terror psicológico” (alcunha que a imprensa decidiu impor a <em>Possuídos</em>) um pequeno e explosivo tratado das relações amorosas no seu conceito mais extremo.<br /><br />O cinema de William Friedkin é um cinema de obsessões. Em praticamente todos os seus filmes, os personagens buscam alguma coisa com sanha incontrolável, em tentativas por vezes irracionais ou mesmo desmedidas para atingir determinados objetivos. São sempre personagens “possuídos” (e aí, ironicamente, o título brasileiro de <em>Bug</em> acaba servindo como súmula de toda a carreira de Friedkin). Num sentido literal, o filme mais famoso do diretor, <em>O Exorcista</em>, trazia já na sinopse a idéia de possessão, na trama da garotinha encarnada pelo demônio. Mas o verdadeiro “possuído” não era a jovem Regan, e sim o padre Damien Karras, também psicólogo e em fase de decadente crença na força divina. Convocado pela mãe de Regan, ele toma contato com a terrível verdade sobre a possessão e, a partir daquilo, recupera a própria fé. O jogo de ironias está explícito: num momento de sua vida em que Karras aparenta negar a existência de Deus, sua fé ressurge a partir do contato com o anti-Deus. A obsessão, no caso, está em expulsar aquela criatura de um corpo inocente e seguir rumo aos novos desafios que a vida vai lhe impor – como bem mostra a cena final.<br /><br />Segundo diz a epígrafe deste artigo, Friedkin crê na ambivalência do ser humano, na idéia de que todos nós temos um lado bom e um lado mau. Essa constatação está óbvia um tanto quanto exageradamente em <em>O Exorcista</em>, mas não tanto, por exemplo, nos policiais de Friedkin. Saindo do âmbito familiar, o diretor coloca a câmera no cotidiano de agentes cuja missão é combater o crime. Sejam drogas, assassinato ou dinheiro falso, a autoridade nos filmes de Friedkin vive na linha limítrofe entre a salvação e a perdição. São figuras, acima de tudo, possuídas pela noção da justiça e do dever a cumprir, mas nem por isso deixam de se comportarem muitas vezes como os bandidos que combatem. De um lado o herói; do outro, o demônio. A obsessão está em terminar o serviço, nem que para isso precisem passar por cima das regras criadas por eles mesmos.<br /><br />O mais notório dessa “linhagem” de Friedkin é o detetive Popeye Doyle, memoravelmente interpretado por Gene Hackman em <em>Operação França</em>. Porém, é outro investigador que talvez guarde uma maior complexidade na interação com os demais personagens em cena. Richard Chance (vivido por William Petersen) é o protagonista de <em>Viver e Morrer em Los Angeles</em> (1985), mas nunca se modela ao gosto do espectador. Amoral, impiedoso, arrogante, machista e prepotente, resume as piores características possíveis a um personagem principal – e é em torno dele que a ação do filme corre. Se Chance não é uma criação convidativa à identificação do público, isso se deve menos à sua forma de agir e mais ao tratamento que Friedkin lhe dá ao longo de todo o filme.<br /><br />Não há qualquer tipo de mergulho em sua intimidade ou qualquer preocupação que seja em proporcionar sentimentos de piedade ou compreensão em relação a Chance. A câmera fria de Friedkin enfoca o policial no meio de suas missões, na ânsia devoradora e autofágica de caçar e matar o assassino de seu parceiro. Chance está mais decidido a encontrar o falsificador de dinheiro para um ajuste de contas do que simplesmente tirá-lo de circulação. Esse jeito ora despojado, ora mesmo inconseqüente com que Friedkin trata o dia-a-dia de Chance torna <em>Viver e Morrer em Los Angeles</em> um filme de fascinante estranheza, um mergulho num submundo em que ninguém vale muita coisa e onde o vilão, dotado de raciocínio rápido e uma calma invejável, exerce sedução maior do que o agente nervosinho e explosivo.<br /><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzLw2Opq1arxMXExaELzcH-378ssH9_YZ-t275N4JlJJR3uCr5HwUPUynEIBuO4HEpgJgKgojlMNIJNhxe8S_A3zyzke_09_J_NSiQ89whSD2PIZbMlj9Ude2jpMnVaOKxr2ZDavyxxWNAJAUed3Cr-TT7WP0vvg0I2wHuz8Y-rgajK6eIEN8fAKTIXCM/s1280/friedkin3.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1280" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzLw2Opq1arxMXExaELzcH-378ssH9_YZ-t275N4JlJJR3uCr5HwUPUynEIBuO4HEpgJgKgojlMNIJNhxe8S_A3zyzke_09_J_NSiQ89whSD2PIZbMlj9Ude2jpMnVaOKxr2ZDavyxxWNAJAUed3Cr-TT7WP0vvg0I2wHuz8Y-rgajK6eIEN8fAKTIXCM/s320/friedkin3.jpg" width="320" /></a></div>É em criações como Chance que o talento de Friedkin faz toda a diferença. Em vez de tentar achar pontos de apoio para sustentar seu protagonista, o diretor faz uma operação que parece impossível: um filme de ação não necessariamente clássico, mas moderno; um filme de ação em que a ação não ocorre por conta de um desenrolar claro e objetivo dos acontecimentos nem por gatilhos narrativos, mas porque o filme em si aparenta não poder ficar sem ela. Existe, na verdade, uma não-ação muito forte em <em>Viver e Morrer em Los Angeles<span style="font-style: normal;">. Se</span><span style="font-style: normal;"> olharmos o roteiro, e só ele, é fácil perceber que quase nada acontece, de fato, nas duas horas de filme. Por mais que haja ali uma das mais intensas perseguições de carro do cinema americano ou alguns momentos de violência bem dolorosos de assistir, </span>Viver e Morrer em Los Angeles</em> se caracteriza pela ausência do encadeamento típico de produções do gênero. É como se o filme estivesse mais para Godard do que para – sei lá – Michael Bay (usando aí dois exemplos diametralmente opostos). O que faz com que o longa respire é o cuidado estético com quem Friedkin o modela e o apuro como torna o agente Chance uma figura em constante movimento para cumprir suas obsessões, seu impulso possessivo de executar uma tarefa dada a ele por ele mesmo – e cujas conseqüências são sentidas no inacreditável desfecho, em que Friedkin radicalmente abre mão de qualquer pudor no destino final do personagem.<br /><br />Dentro da filmografia de William Friedkin, <em>Viver e Morrer em Los Angeles</em> talvez encontre paralelo apenas no recente <em>Possuídos</em>. O cineasta tentou fazer algo semelhante em <em>Jade</em>, suspense lançado em 1995 na onda do <em>thriller</em> erótico apregoado por <em>Instinto Selvagem</em>, um ano antes. É também, na sua ambientação ambígua e na estética luminosa, um filme de destaque, ainda que aquém do impacto proporcionado pela saga de Chance na década anterior. Dali em diante, Friedkin entrou numa espiral de azar ou má escolha de projetos. Sua refilmagem de <em>Doze Homens e Uma Sentença</em> (1997) para a televisão (com Jack Lemmon no papel que fora de Henry Fonda no original de Sidney Lumet em 1957) perdeu-se nas prateleiras de locadora. <em>Regras do Jogo</em> (2000), em que Samuel L. Jackson faz o militar julgado pelo massacre de civis numa operação na África é, a meu ver, o filme mais equivocado do diretor –em tudo que ele carrega de manipulação e patriotismo exacerbado. <em>Caçado</em> (2003) trouxe de volta parte do vigor de Friedkin no trato com a câmera e com seus personagens, ainda que o filme tenha se apagado na época do lançamento.<br /><br />Interessante perceber que, em altos e baixos, William Friedkin jamais deixou de lado a autoria mais típica. Reza a política dos autores defendida por críticos franceses dos anos 50 e 60 (de quando se destacam Godard, Truffaut, Rohmer e Chabrol) que o autor no cinema é aquele que, ao longo de uma obra constante, mantém, desenvolve e/ou evolui temáticas e elementos de linguagem recorrentes (leia sobre o assunto com maiores detalhes <a href="https://web.archive.org/web/20090122215937/http://www.filmespolvo.com.br/frame8.php?subaction=showfull&id=1183569124&archive=&start_from=&ucat=13&" style="color: #3d003d; text-decoration-line: none;" target="_blank"><span style="color: black;">aqui</span></a>, em coluna do colega Leonardo Amaral).<br /><br />Exatamente isso o que Friedkin jamais deixou de fazer, mesmo em seus filmes “menores”: seja o detetive atraído pela suspeita de assassinato em <em>Jade</em>, o jurado que acredita na inocência do acusado em <em>Doze Homens</em><em> e Uma Sentença</em> , o coronel disposto a livrar a cara do militar em <em>Regras do Jogo</em> ou o investigador de volta à ativa especialmente para perseguir um suposto assassino em <em>Caçado</em> – todos eles estão na ação possuídos pelo desejo de alcançarem objetivos aparentemente impossíveis, e a encenação de Friedkin, sua câmera e escolhas estéticas, servem de expressão para desejos tão intensos. Não é a irregularidade da carreira que fez o cineasta deixar de lado seus pensamentos acerca do que resolve retratar na tela. O louvor a Friedkin é válido na medida em que ele insiste nos mesmos anseios, variando a forma de exibir o conceito, mas sempre se mantendo convicto do que pretende atingir – e, na maior parte das vezes, conseguindo ser grandioso na sua própria obsessão artística.<br /><br />É o que se vê, finalmente, em <em>Possuídos</em>. De uma única tacada, o filme é um retrato do tipo de cinema apregoado por Friedkin e também do tipo de personagem tão bem trabalhado por ele em seus melhores momentos nesses 40 anos de carreira. Com total despreocupação em agradar o espectador, o diretor narra em enxutos 100 minutos a relação crescente entre Agnes, garçonete que se isola num motel de beira de estrada com medo do marido recém-saído da cadeia, e Peter, ex-militar traumatizado que acredita ter sido vítima de experiências com insetos. O filme não tem pressa: gasta boa parte de sua duração para desenvolver o encantamento natural que um personagem exerce no outro – sem que, para isso, sejam eles pessoas fora do comum. São, na verdade, dois <em>outsiders</em> que por puro acaso se esbarram numa noite de farra.<br /><br />Só que Friedkin logo expõe a verdadeira natureza de seu filme. À medida que as paranóias de Peter aumentam, mais intenso fica o romance da dupla, e mais Agnes embarca nos pensamentos do parceiro. Da fragilidade e carência da moça, brota a crença naquilo que o outro lhe apresenta, por mais absurdo que seja o comportamento de Peter. Ambos são os obcecados típicos do cinema de Friedkin: ela quer parar de sentir medo e precisa de um companheiro; ele acha que tudo ao seu redor foi meticulosamente planejado por aqueles a quem serviu no passado e busca a todo custo se livrar das “armadilhas” colocadas em seu caminho.<br /><br />Entre tantas qualidades, possíveis de perceber verdadeiramente apenas numa sessão de <em>Possuídos</em>, o que torna o filme tão forte é o fato de Friedkin nunca desviar a câmera da subjetividade dos protagonistas. São eles que dominam a cena, eles quem recebem a atenção e a eles o diretor deve respeito. Por mais delirantes que o enredo vai se tornando, por mais exageradas que aparentem ser as situações apresentadas e a interpretação dos dois atores, Friedkin não mede esforços para sempre deixá-los no primeiro plano dentro da ação diegética. Se a câmera “física” mostra gente de fora – como o marido de Agnes surrando a porta, já mais próximo ao desfecho –, a câmera “mental”, aquela que rege o tom e a ambientação do filme, jamais se desgruda da loucura desmedida que se apossa do casal – mesmo que, para isso, Friedkin corra sérios riscos de ser tachado de <em>over</em> ou risível.<br /><br />Não parece ser esta a preocupação do diretor, e ele leva as potencialidades de <em>Possuídos</em> às últimas conseqüências – potencialidades de linguagem e estética (som, imagem, montagem, angulação de planos) e de narração e conflito (o que culmina naquele que talvez seja o final mais enlouquecido de sua carreira – e desde já digno de antologia). É Friedkin dominando o meio cinematográfico como poucos. E, como poucos, dominando bem, ao dar conta da autoralidade que, queiram ou não muitos que falam e escrevem por aí, ele possui com categoria.</span><br /></span>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-87035423645417335762023-08-07T20:58:00.007-07:002023-08-07T21:04:33.813-07:00Cinema de possuídos: uma conversa com William Friedkin<p><i><span style="font-family: georgia; font-size: medium;">Famoso por dirigir "O Exorcista" nos anos 70, o diretor fala sobre "Bug" e o que pensa da indústria de cinema dos EUA</span></i></p><p><b><i><span style="font-family: georgia; font-size: medium;">*Originalmente publicado no jornal O Tempo em 21 de setembro de 2007</span></i></b></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhl8_Umr6wYEtD8GoPfafmQ3NJF3HbSOihLhxnIaDN1K9ocLXPYP0ERSgfT28g08vj8mwtaOe-BAhwQg7L8uDh19uoMM4Btl3gRfov3UFMMheJA1B8xAze-JZtk8asxGy-j_2q_Rgt0JZOxU_uBktZ72UHHPliznb5BziK_pnAjEYEXsTxMRvve8eH87ms/s943/friedkin1.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="943" data-original-width="888" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhl8_Umr6wYEtD8GoPfafmQ3NJF3HbSOihLhxnIaDN1K9ocLXPYP0ERSgfT28g08vj8mwtaOe-BAhwQg7L8uDh19uoMM4Btl3gRfov3UFMMheJA1B8xAze-JZtk8asxGy-j_2q_Rgt0JZOxU_uBktZ72UHHPliznb5BziK_pnAjEYEXsTxMRvve8eH87ms/s320/friedkin1.jpg" width="301" /></a></span></div><span style="font-family: georgia; font-size: medium;">Realizador do lendário "O Exorcista" (1973), que redefiniu o gênero terror, e ganhador do Oscar por "Operação França" (1971), o cineasta norte-americano William Friedkin, 72 [na época dessa entrevista], mantém-se em plena atividade. Ao longo de 40 anos de carreira, teve altos e baixos, mas o saldo computa muito mais altos. </span><p></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;">Vários deles foram ficando para trás na mente de boa parte do público - como "Comboio do Medo" (1977), "Parceiros da Noite" (1980), "Viver e Morrer em Los Angeles" (1985) e "Caçado" (2003) -, mas ainda mantém a genialidade de um diretor que soube subverter regras de gênero e realizar trabalhos de muita força e impacto. É assim com "Bug" - que recebeu o infame título de "Possuídos" no Brasil. </span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;">Um dos filmes mais perturbadores e instigantes deste ano, "Possuídos" teve lançamento mundial no Festival de Cannes de 2006, de onde saiu com o prêmio principal da Quinzena dos Realizadores (mostra paralela dedicada a trabalhos de maior experimentalismo e ousadia). Estreou no Brasil há pouco mais de um mês e minguou de público. Motivos podem ser vários, e essa é uma das questões que afligem Friedkin.</span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;">Ele conversou com o Magazine por telefone, direto da Califórnia, sobre isso e vários outros assuntos. Sereno, inteligente e sucinto, Friedkin se mostra consciente de ser um artista raro dentro da máquina de produção da grande indústria. Leia a conversa logo abaixo.</span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>Sr. Friedkin, comecemos por "Possuídos". Quando foi seu primeiro contato com a peça de Tracy Letts, "Bug", e o que o atraiu a ponto de querer realizar um filme a partir dela? </b>A peça surgiu há dez anos e vem sendo reencenada todo esse tempo. Assisti no circuito off-Brodway em 2005 e achei tudo muito bonito e muito poderoso e perturbador. Perguntei ao Tracy se poderia fazer um filme, mostrei meu interesse. O texto era cheio de elementos que eu poderia levar para o cinema e fui atrás tentar a adaptação.</span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>O filme é muito fiel ao original, já que contratou o próprio Letts para ser seu roteirista?</b> Eu tentei adaptar algo que já era muito poderoso e cinematográfico. Mudamos a forma para inserir mais elementos visuais. O maior desafio foi justamente transformar em imagens coisas que no teatro seriam impossíveis de fazer. Eu já tinha dirigido uma peça do Tracy Letts no teatro, que foi "The Man From Nebraska", e conhecia seu trabalho. Os EUA vivem hoje uma crise dramatúrgica, e Letts é um dos escritores que melhor trabalham nesse ramo atualmente. É inquestionavelmente um dos melhores, então o chamei para roteirizar o filme. Filmei em 20 dias com orçamento de US$ 4 milhões.</span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>Um dos aspectos mais atraentes e angustiantes de "Possuídos" é o fato de que a narrativa nunca deixa de lado a subjetividade. O espectador está o tempo inteiro inserido nos delírios dos personagens, num verdadeiro mergulho na loucura e no amor dos dois que estão em cena. Foi difícil manter esse tom íntimo? O senhor teve receio do filme ser repelido pelo espectador acostumado a um excesso de explicações?</b> Eu já tinha trabalhado dessa forma em outros projetos e sabia como fazer. "Bug" é uma história de amor muito intimista de duas pessoas que estão num quarto de motel e presas nelas mesmas, em crise com elas próprias, se podemos dizer assim. A mulher, Agnes (Ashley Judd), tem tanto medo de contato com os homens, depois de um trauma que sofreu no passado, que ela fica obcecada com a possibilidade de encontrar alguém com quem ela pode se relacionar. A maioria dos espectadores, hoje, espera histórias fáceis e explicadinhas. Mas eu fiz um filme para quem não espera respostas e nem explicações, para quem não procura ou espera entender exatamente o que está acontecendo.</span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>O senhor também filma "Possuídos" de forma pouco habitual. São poucos cortes na montagem, os diálogos são muito longos e as atuações atingem um tom acima do que seria considerado "normal" no cinema médio norte-americano. Essas escolhas fazem o filme quase um projeto experimental e joga com as sensações do espectador. Gostaria que o senhor falasse dessas particularidades no jeito de filmar um drama entre duas pessoas paranoicas.</b> Eu tentei fazer os personagens da forma mais realista e verossímil possível. Queria que eles fossem gente que você encontra todo dia na sua vida, que você reconhece. Eu mesmo os identifico com gente que conheço. Tem sido dito que os diálogos são teatrais ou exagerados apenas porque a maioria dos filmes feitos em Hollywood hoje é ridícula. "Quem é você?", "Como vai você?", são diálogos estúpidos. Em "Bug", o público acredita nas falas, o filme mostra uma visão verdadeira do mundo da forma como ele é. Pode ficar parecendo teatral justamente porque os personagens falam por muito tempo e falam de coisas estranhas. Isso tudo acaba provocando um certo estranhamento na narrativa, mas eu acredito que esses personagens são reais e estão nas ruas. A experiência como diretor de ópera me ajudou muito na hora de conceber "Bug" e vários outros dos meus filmes. Dirigir óperas é como dirigir filmes, só que sem a câmera.</span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>"Bug" seria bem diferente se o som não exercesse muitos significados e tornasse tudo extremamente ambíguo. "O Exorcista", seu filme mais famoso, também era muito focado no uso do som, assim como vários outros trabalhos seus. Qual a importância do som para o seu cinema?</b> É algo essencial. Eu gravo o som separado das filmagens. Faço a trilha sonora e incluo os efeitos de som (música, atmosfera, ruídos) depois de realizar as tomadas. Essa minha preocupação com o som vem do meu amor pelo rádio, pelos dramas de rádio, que eu sempre gostei e que vieram antes da TV. Eu tento fazer com que o som seja algo fundamental nos meus filmes e sirva como complemento da imagem. Quero que um sustente o outro, sempre em equilíbrio.</span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b></b></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhElKhM3gW-CT9Pxwsf6yYSjeeWkvQ7v8aii3ebMnQlMe2KICOZygfbgzl5N2TjkPikzlvaIcBSX4UExO6SwsHlBx0NAVvKnipootiQcRztOBGsWZ1a1n7rDHFBKE2iuw4QXhCTI1C8OkNXqRU8Z-3I3uQs_FFOUN30OGOpuU_KDXSuzaYgbQJvTDMrnag/s600/bug.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="338" data-original-width="600" height="208" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhElKhM3gW-CT9Pxwsf6yYSjeeWkvQ7v8aii3ebMnQlMe2KICOZygfbgzl5N2TjkPikzlvaIcBSX4UExO6SwsHlBx0NAVvKnipootiQcRztOBGsWZ1a1n7rDHFBKE2iuw4QXhCTI1C8OkNXqRU8Z-3I3uQs_FFOUN30OGOpuU_KDXSuzaYgbQJvTDMrnag/w336-h208/bug.jpg" width="336" /></a></b></span></div><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>O senhor enxerga algo de político em "Bug", seja na temática ou nas escolhas formais?</b> Claro. O filme é bastante político. Todos os políticos parecem as mesmas pessoas, eles são iguais. Não adianta dizer o que vão fazer, porque são sempre do mesmo discurso, a república democrática não muda. E a política de "Bug" são as experiências com os soldados. É disso que eu falo, sobre essa paranóia que atinge o homem comum exposto aos políticos. Mas não estou dizendo que o homem no filme, o ex-soldado Peter, esteja falando necessariamente a verdade. Porque ele está tendo delírios, e o espectador pode considerar que nada no filme é verdade e tudo seja fruto de imaginação. O Peter não é simplesmente louco, ele é extremo, e a idéia da paranoia é muito forte no filme, a noção de como as pessoas tentam se defender quando acreditam estar sendo ameaçadas.</span><p></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>"Bug" não foi um grande sucesso nos EUA e não tem conquistado grandes platéias no Brasil. Porém, é uma unanimidade crítica desde Cannes. A que o senhor atribui a má performance de "Bug" junto ao grande público? </b>Eu não tenho a menor idéia. Nunca paro para pensar nisso e também não entendo porque tantos filmes que não dizem absolutamente nada fazem sucesso. </span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>Aqui no Brasil, "Bug" foi lançado com o título de "Possuídos", numa analogia forçada a "O Exorcista" e seus demônios encarnados - ainda que "Bug" não tenha nada disso. O senhor sabia desse título?</b> É horrível! Eu nao fazia a menor idéia. Nunca fico sabendo dos títulos fora dos EUA, nem sugiro nada. Mas "Possuídos" é muito ruim. </span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>Ironicamente, o seu cinema é caracterizado por personagens que poderíamos chamar de possuídos por algum tipo de obsessão ou vontade. Eles se dispõem a qualquer coisa para atingir os objetivos. É o padre de "O Exorcista", os policiais de "Operação França" e "Viver e Morrer em Los Angeles", o motorista de "Comboio do Medo", o jurado de "12 Homens e Uma Sentença", o agente de "Caçados" e o ex-militar de "Bug", entre tantos outros mais. O senhor realmente sempre procurou focar personagens ambíguos e obcecados?</b> Eu nunca sei direito para onde estou indo. Sempre que começo um projeto, vou deixando que ele tome sua própria forma. O que me interessa todas as vezes é o limite entre o bem e o mal, é o fato de que todos nós vivemos nesse limite e isso faz parte das pessoas. Eu não tinha idéia disso no começo da minha carreira, mas agora é tudo muito claro. Nem preciso ir atrás desses temas, porque eles sempre vêm até mim de um jeito ou outro.</span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>Em vários artigos sobre "Bug", foi comum o discurso de que o filme representou o grande retorno de William Friedkin. Porém, o senhor nunca sumiu, de fato, e sempre manteve produção constante. O que o senhor pensa disso? </b>De fato "Bug" é uma continuidade. Os personagens e temas presentes em "Bug" são muito parecidos em vários outros filmes que eu fiz, mas a história, o enredo, é diferente. Eu busco me manter em algumas dessas temáticas ao longo dos meus projetos.</span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>Quais são suas referências dentro do universo do cinema, tanto como cinéfilo quanto como realizador? </b>O senhor possui filmes de cabeceira? Não tenho filmes de cabeceira e nem saberia falar sobre algum cineasta que me toque mais. Na verdade, eu poderia dizer que não sou membro de nenhum fã-clube.</span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>E na sua carreira, o senhor destacaria algum filme em específico?</b> Acho que não. Seria o mesmo que perguntar a um pai ou a uma mãe qual seu filho favorito. Você até pode ter um, mas não vai dizer. (risos)</span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>O senhor vem de uma geração de grandes nomes do cinema norte-americano, como Coppola, Scorsese, Clint Eastwood. O cinema dos EUA evoluiu? </b>Não há muito o que falar do cinema norte-americano hoje porque ele não é nada mais que um exercício comercial. Nem há como como comparar com o que fazíamos naquela época, quando essa preocupação com o comercial não era algo tão forte. Era um momento de muita liberdade, principalmente antes da minha geração, com os grandes nomes clássicos de Hollywood. Mesmo os estúdios controlando tudo, havia noção de que os diretores sabiam o que fazer. Hoje os filmes estão mais preocupados com a venda dos ingressos e com grandes orçamentos. Um trabalho de menos de U$ 100 milhões já é considerado de baixo orçamento.</span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>Como o senhor avaliaria o significado de um filme como "O Exorcista" e a referência que ele se tornou para toda uma geração?</b> Eu não controlo o que os meus filmes vão significar para as gerações. Simplesmente essas coisas acontecem. E também não estou atrás disso, quero continuar fazendo aquilo que eu acredito e aquilo que eu quero ver.</span></p><p><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><b>Está com novos projetos em andamento?</b> Estou com vários projetos e avaliando alguns roteiros. Nunca estou parado, porque tenho outras atividades fora do cinema. Também sou diretor de ópera e viajo muito com as minhas peças, para diversas partes do mundo. Desde 1996, quando fui convidado para dirigir "Wozzeck", de Alban Berg. Já fui a Florença, Tel Aviv, Munique, Turim e outros lugares com várias óperas e é algo que me mantém sempre na ativa.</span></p>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-76018716166593536982022-12-02T07:46:00.010-08:002022-12-02T08:39:05.102-08:00"Suspiria" (Luca Guadagnino, 2018)<p><span style="font-family: georgia;"><b><span style="font-size: medium;">Valsa de corpo a corpo</span><br /></b><span style="font-size: medium;"><span class="tm9">Em polêmico remake do clássico de Dario Argento, o italiano Luca Guadagnino faz em </span><em>Suspiria </em><span class="tm9">um horror austero e chocante, sustentado pelo olhar duro de Dakota Johnson e pela estética de um pesadelo com membros retorcidos</span></span></span></p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMat6cxS0VDw8LKr0-8icqdKhXl50jrT2iFD_ej78778muYS_KY1wzffx6HCrsIBugTtbqY00y_NI0kSSBr8imaVGCBGKdhcxyd-dzr2lxw6s6JnD8rTs3iUJsC2LnrrZOVt5SlbO2HkvOu9OneFOYm8PwbtX0XMdXDcr0IMkUVvIVo_VHGrvXvoDp/s720/suspiria1.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="707" data-original-width="720" height="314" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMat6cxS0VDw8LKr0-8icqdKhXl50jrT2iFD_ej78778muYS_KY1wzffx6HCrsIBugTtbqY00y_NI0kSSBr8imaVGCBGKdhcxyd-dzr2lxw6s6JnD8rTs3iUJsC2LnrrZOVt5SlbO2HkvOu9OneFOYm8PwbtX0XMdXDcr0IMkUVvIVo_VHGrvXvoDp/s320/suspiria1.jpg" width="320" /></a></div><p></p><p></p><p class="Normal tm5 tm6"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><span class="tm7">Vamos começar pelo elefante na sala: o </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">de Luca Guadagnino é a refilmagem de uma das maiores peças artísticas do século 20. Dirigido por Dario Argento e escrito em parceria com a atriz Daria Nicolodi, </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">chegou aos cinemas em 1977 depois do sucesso do giallo </span><em><span class="tm8">Prelúdio Para Matar </span></em><span class="tm7">(Profondo Rosso, 1975) e de uma série de outros filmes policiais do cineasta italiano. Apesar de sempre trafegar pelo gênero do suspense e
do terror, </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">foi de fato a primeira grande incursão de Argento no horror propriamente dito, num enredo de bruxaria, ritos satânicos, casas assombradas,
vermes caindo do teto e pesadelos transformados em imagens e sons. A trajetória da jovem bailarina Susie Bannion (Jessica Harper) indo estudar numa conceituada escola alemã e descobrindo o culto milenar de três
bruxas-mães era só ponto de partida a um trabalho de abstração de formas e cores como nunca se vira daquela forma.</span></span></p>
<p class="Normal tm5 tm6"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><span class="tm7">O referencial básico de Argento era o cinema delirante de Mario Bava, mas a câmera rocambolesca e a fotografia de Luciano Tovoli – praticamente coautor do filme,
pela utilização de técnicas de sobreposição de películas e excesso de tons vermelho, azul e amarelo nas luzes – faziam de </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">um gigantesco passo rumo a um cinema de esfacelamento narrativo e de grandiosidade sensorial e afetiva. Não é que o espectador precisasse compreender os acontecimentos,
e sim senti-los, absorvê-los, aceitar o convite de bailar junto com Susie pelas profundezas de seus medos e pesadelos, na sua fábula de amadurecimento e violência cujo deslumbre estava na geometria dos espaços
e dos planos e nos mistérios de nunca se saber exatamente o que havia no fim do corredor. Entre Luis Buñuel e David Lynch, Argento fez de </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">o registro fílmico de uma noite maldormida. [Escrevi mais detidamente sobre o filme <a href="http://revistacinetica.com.br/nova/era-uma-vez-num-castelo-assombrado/" target="_blank">aqui</a>.]</span></span></p>
<p class="Normal tm5 tm6"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><span class="tm7">Comparar um </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">ao outro, além de improdutivo, seria lidar com duas medidas completamente diferentes. Luca
Guadagnino circula com seu projeto de refilmagem desde 2007, quando adquiriu os direitos de refazer o original diretamente com Argento e Nicolodi. Dez anos (e o sucesso de </span><em><span class="tm8">Me Chame pelo Seu Nome</span></em><span class="tm7">) depois, o italiano estreou a sua versão no Festival de Veneza em setembro de 2018 e mostrou o consciente afastamento do que Argento fizera em 1977.
O </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">de Guadagnino é como se um negativo ao de Argento (não uma negação, que fique claro). Sem deixar
de ser tributário ao mesmo tempo em que não se permite ser refém do original, Guadagnino fez um filme estritamente seu, sem temer comparações e questionamentos. Se é para emular uma
obra de arte, que se se afaste dela para, com isso, se aproximar.</span></span></p>
<p class="Normal tm5 tm6"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><span class="tm7">Em certa medida, funcionou: Dario Argento criticou o filme por, segundo ele, “trair o espírito do original”. A declaração indica o pressuposto de
que exista um “espírito” criativo a que Guadagnino deveria preservar e respeitar e ao qual deveria ser fiel. Tal percepção denota idealização um tanto cafona do cinema enquanto
criação e tende a soar absolutista, no sentido de impor ao artista um limite de “respeito” a determinada aura que não pode ser ultrapassado, sob risco de traição e incapacidade.
Que um gênio como Dario Argento nos permita discordar de sua premissa. Ela está errada, pelo simples fato de que o </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">de Guadagnino não precisava se comprometer a “respeitar” o que quer que fosse dentro de seu senso criativo. Se há um espírito a ser preservado,
é o de si próprio. O novo </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">opta por se desgarrar do irmão mais velho – que sempre estará lá, no pedestal de um dos
mais impressionantes filmes do mundo – e caminha solitário por vielas desconhecidas e arriscadas.</span></span></p>
<p class="Normal tm5 tm6"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><span class="tm7">Ambientado no ano de 1977 (não é coincidência), </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">insinua, logo nas primeiras cenas, que vai tratar de uma história de bruxaria. A rápida participação de Chlöe Grace Moretz como a dançarina
desgarrada que se confessa ao psicanalista estabelece a base da ação: ambiguidade, contradição, mistério. Por muito tempo, ao longo dos 150 minutos de duração de filme, o espectador
fica alheio ao que realmente acontece no submundo da escola de dança alemã para onde vai a protagonista Susie Bannion (agora vivida por Dakota Johnson). Dessaturada e acinzentada, a fotografia de Sayombhu Mukdeeprom
esconde quaisquer possíveis atrativos visuais que o ambiente pudesse oferecer. Trafegando pelas ruas e por dentro da escola, a câmera faz da sobriedade de registro o passo inicial para as distorções
narrativas que logo vai expor. Porque </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">ainda permanece um pesadelo, seguindo lógicas próprias e convidando o espectador a adentrar no imaginário
de mitos europeus que reconfiguram a noção de conto de fadas que era forte no roteiro original.</span></span></p><p class="Normal tm5 tm6"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1gDsS2dxZEnYUSA5rGPUInMI64NNbq18wuvOSJriD_1Tyq8w2Y1PSKBQ9KESBPI-KSI2HMGgp_Dk9N01T__yg_OZGaFgzLxszON_bFUazxaBhi-reem1aj_Btr3_hgowtczSVb_jQr3Xzht57Hy63WpUKjYJ3zS39Tud0HDHV4nWYV8YrXQv6L0US/s1620/suspiria2.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-size: medium;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1620" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1gDsS2dxZEnYUSA5rGPUInMI64NNbq18wuvOSJriD_1Tyq8w2Y1PSKBQ9KESBPI-KSI2HMGgp_Dk9N01T__yg_OZGaFgzLxszON_bFUazxaBhi-reem1aj_Btr3_hgowtczSVb_jQr3Xzht57Hy63WpUKjYJ3zS39Tud0HDHV4nWYV8YrXQv6L0US/s320/suspiria2.jpg" width="320" /></span></a></div><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><span class="tm7">Thom Yorke canta na música-tema: “This is a waltz thinking about our bodies/ What they mean for our salvation” (</span><em><span class="tm8">esta é uma valsa pensando nos nossos corpos/ o que eles significam para nossa salvação</span></em><span class="tm7">). O verso é carta de intenções de </span><em><span class="tm8">Suspiria</span></em><span class="tm7">. São corpos os protagonistas do filme, ou mais que isso: a deterioração dos corpos. O desencadeamento dos conflitos se dá pela morte iminente de uma das bruxas, cujo corpo envelhecido
é agora apenas uma massa de pele sobreposta, como se derretida. Acredita-se que ela seja a encarnação da mítica Mãe Suspiriorum, espécie de deusa protetora que de tempos em tempos
reaparece. É preciso que um receptáculo se faça disponível para a chegada de Suspiriorum. Susie é a escolhida, aquela cuja dança ativa as potencialidades do ritual de transferência.
A força dessa dança – desse corpo que existe para se tornar outro – aparece na primeira grande cena de </span><em><span class="tm8">Suspiria</span></em><span class="tm7">: enquanto Susie faz uma audição diante de Madame Blanc ((Tilda Swinton), a enigmática diretora da escola, seus movimentos afetam diretamente a estudante
Olga (Elena Fokina), castigada por gritar contra as atividades ocultas do lugar, que teriam provocado o desaparecimento de Patricia (Chlöe Grace Moretz). O triunfo de Susie é o castigo de Olga, a aflição
e plasticidade dos movimentos resfolegantes da primeira resulta na torção e retorção da segunda. </span><em><span class="tm8">Suspiria</span></em><span class="tm7"> se apresenta sem sutileza pela primeira vez: para um corpo eternizar a beleza, é preciso que outro desapareça na feiura.</span></span><p></p>
<p class="Normal tm5 tm6"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><span class="tm7">Não se trata do “body horror” eternizado pelo cinema de David Cronenberg, nem das chagas e castigos contra a pele vistos nos </span><em><span class="tm8">gialli </span></em><span class="tm7">que são base do primeiro </span><em><span class="tm8">Suspiria</span></em><span class="tm7">. O filme de Guadagnino se aproxima mais da abstração da violência e do não-visto de </span><em><span class="tm8">O Inquilino</span></em><span class="tm7"> (Roman Polanski, 1976) ou de </span><em><span class="tm8">Possessão </span></em><span class="tm7">(Andrzej Żuławski, 1981), com protagonistas convidados a adentrar mundos estranhos e ambíguos, nos quais caminhos labirínticos levam a encontros consigo mesmos e com seus próprios
fantasmas. A fantasmagoria do eu se projeta no outro, num choque à distância que logo se revela, de fato, dentro de quem olha. Nestes filmes, o corpo é passagem à abstração; sua destruição
no contato com o sobrenatural se dá na transição para um suposto superior construído pelos arquitetos da metamorfose.</span></span></p>
<p class="Normal tm5 tm6"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><span class="tm7">No caso de </span><em><span class="tm8">Suspiria</span></em><span class="tm7">, a transfiguração se encaminha para uma coisa e se torna outra – ou seja, Susie
se transfigura duplamente. O embate entre ela e Madame Blanc, tão competitivo quanto sexual, desvia a atenção para a verdade: o corpo a ser ocupado por uma entidade mítica já está
ocupado pela própria Suspiriorum. Novamente como no cinema de Polanski, o “eterno retorno” </span><em><span class="tm8">nietzschiano</span></em><span class="tm7"> faz com que o ponto de partida seja, desde sempre, o ponto de chegada. O corpo de Susie, escolhido pelas bruxas para receber o espírito de uma das Três Mães,
já estava ele mesmo dominado por ela. A revelação, trabalhada ao longo do filme pela forma precisa com que Guadagnino dirige Dakota Johnson e pelo semblante austero da atriz, se dá num espetáculo
escarlate de muito sangue e música, em imagens alucinadas de uma ritualística de morte que parece misturar Ingmar Bergman e José Mojica Marins.</span></span></p>
<p class="Normal tm5 tm6"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><span class="tm7">Em meio a tudo, Luca Guadagnino e o roteirista David Kajganich contextualizam </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">no chamado Outono Alemão, período iniciado em 5 de setembro de 1977 com o sequestro do empresário Hanns Martin Schleyer pelo grupo guerrilheiro RAF (Fração
do Exército Vermelho). As desventuras de Susie e das bruxas na escola de dança acontecem em paralelo à tensão que perdurou por 44 dias e terminou com a execução de Schleyer. Outro
elemento de teor político inserido no enredo é o psicanalista Josef Klemperer, interpretado por Lutz Ebersdorf, pseudônimo de outra pessoa (cujo nome você vai ter que procurar na internet para saber
quem é, caso não saiba). Sobrevivente do Holocausto, ele se envolve no culto das Três Mães para descobrir a verdade sobre uma paciente e acaba por reviver um passado de perda e luto.</span></span></p>
<p class="Normal tm5 tm6"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><span class="tm7">Estes “desvios” do filme amplificam seu espectro e retiram-no da alegoria e da sutileza para inseri-lo dentro de um mal-estar profundo que mobilizava o país naquele
momento histórico. Os mistérios em torno de Susie, Madame Blanc, Patricia, Olga, a dança e as investigações de Klemperer não se desconectam do noticiário (sempre apresentado
tangencialmente, mas nunca desatentamente), e sim refletem ou mesmo ilustram um estado de espírito nacional. A Berlim em polvorosa de </span><em><span class="tm8">Suspiria</span></em><span class="tm7"> cabe inteira na escola de dança de Madame Blanc. A entidade que se quer resgatar do mito para trazê-la ao concreto é a utopia de alguma harmonização
monocrática (pelo caminho do sangue e do viés totalitário) e de um sentido amplo (e arriscado) de confraternização que o </span><em><span class="tm8">coven </span></em><span class="tm7">de bruxas quer sustentar. As dores da guerra ainda a reverberarem em Klemperer fazem com que ele, próximo do fim da vida, busque alguma redenção pelo olhar
de alguém a quem conhece intimamente – e, se salvar pelo menos a memória de Patricia, talvez ele reconfigure a lembrança da esposa assassinada pelos nazistas e também a si mesmo.</span></span></p>
<p class="Normal tm5 tm6"><span style="font-family: georgia; font-size: medium;"><span class="tm7">A narrativa de</span><em><span class="tm8"> Suspiria </span></em><span class="tm7">se divide em seis partes e um epílogo, emulando o tom de conto de fadas que se tinha no
filme de Dario Argento, porém usando essa compartimentação de ações para se distanciar emocionalmente do material. O filme se desenvolve num afastamento de sentimentos, na crueza da abordagem,
na câmera tão dura e sustentada quanto o olhar de Susie Bannion. Só no epílogo, com parcimônia, surge um instante de lágrima e comoção, não diretamente relacionado
à trama central do filme, o que reforça a escolha de Guadagnino por expor o pesadelo muito mais do que tentar compreendê-lo. Esse já era o espírito do </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">de Argento e ganha aqui um herdeiro a renegar o pai ao mesmo tempo em que o admira sem pudores. O espírito do </span><em><span class="tm8">Suspiria </span></em><span class="tm7">de Luca Guadagnino é o da inquietação e da perturbação, ou como canta Thom Yorke: “Bathed in lightness, bathed in heat/ All is well,
as long as we keep spinning” (</span><em><span class="tm8">Banhado em leveza, banhado em calor/ <br />Tudo está bem, contanto que continuemos girando</span></em><span class="tm7">).</span></span></p><div><b><span style="font-family: georgia; font-size: medium;">*Publicado na revista "Teorema"#31 em setembro de 2019</span></b></div><p></p>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-23092883568186305532013-12-28T09:19:00.003-08:002023-08-07T21:05:21.742-07:00Entrevista: William Friedkin sobre "Killer Joe"<div><b style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px;"><i>*Publicado originalmente no jornal "<a href="http://www.valor.com.br/" target="_blank">Valor Econômico</a>" em 7.3.2013</i></b></div><br /><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-4xL72Cx_VFs/Ur8HmKWgujI/AAAAAAAAEC0/lDBsdSB0nB4/s1600/friedkin2.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="200" src="http://3.bp.blogspot.com/-4xL72Cx_VFs/Ur8HmKWgujI/AAAAAAAAEC0/lDBsdSB0nB4/s320/friedkin2.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>O ator Matthew McConaughey e o diretor William Friedkin</i></td></tr>
</tbody></table>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
Em fevereiro de 1974, "O Exorcista" tomou 15% da renda do mercado de cinema nos Estados Unidos, arrecadando, ao fim de sua temporada, US$ 160 milhões (numa época em que o ingresso custava apenas US$ 3). Homem responsável pela façanha de, pela primeira vez, transformar um filme de horror em fenômeno de massa, o cineasta William Friedkin virou lenda em Hollywood - anos antes, em 1972, ele ganhara o Oscar de melhor diretor por "Operação França".</div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
Mesmo seguindo no ofício pelas quatro décadas seguintes, Friedkin não conseguiu repetir o impacto cultural de "O Exorcista". Após alguns anos fazendo filmes que foram fracassos comerciais, o diretor se renovou ao se aproximar do dramaturgo Tracy Letts, autor das peças que originaram "Possuídos" (2006) e "Killer Joe - Matador de Aluguel", que estreia no Brasil nesta sexta-feira.</div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
Com Matthew McConaughey (de "Magic Mike") e Emile Hirsch ("Na Natureza Selvagem") no elenco, o filme, que concorreu ao Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2011, conta a história de um traficante de drogas que contrata um assassino para matar a própria mãe a fim de usar o dinheiro do seguro para pagar suas dívida. Leia a seguir a entrevista com o cineasta de 77 anos.</div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
<b>"<em>Killer Joe - Matador de Aluguel" se passa numa comunidade pequena, com pessoas aparentemente comuns cometendo atos de violência e perversão. O aspecto mundano dos personagens foi um elemento essencial ao filme?</em></b></div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
Todos os personagens são gente comum não só na América, mas no mundo inteiro. A ambição faz as pessoas cometerem coisas estúpidas de maneira a satisfazer seus desejos. Imagine: no enredo, pai e filho querem dar a filha e irmã para esse matador e querem que ele mate a mãe dela. É um comportamento estranho, mas não é atípico a algumas pessoas. [O dramaturgo] Tracy Letts pegou essa história de um caso real que ele leu nos jornais da Califórnia. É assustador, e acontece todos os dias.</div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
<em><b>Um elemento de impacto em "Killer Joe" é o clima de opressão, como se algo ruim estivesse sempre para acontecer. A narrativa é clara e objetiva em tudo, algo característico nos seus filmes.</b></em></div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
Eu acredito na objetividade. Não tento justificar nem julgar os personagens e deixo o final ambíguo, para que o público determine o que pode acontecer. Eu mesmo não sei o que acontece com aqueles personagens quando o filme acaba e me divirto com as várias opiniões discordantes sobre isso. Não quero dar respostas sobre o que sentir em relação àquelas pessoas em cena, então conto da maneira mais clara e deixo toda a ambiguidade aflorar.</div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
<em><b>Uma das cenas mais fortes e tensas envolve um frango frito da rede KFC. Ela estava originalmente na peça de Letts?</b></em></div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
Sim, a cena estava na peça, mas não me lembro se ela era tão longa como a que coloquei no filme. Sinto que meu trabalho como diretor é proporcionar uma atmosfera para o elenco e a equipe se sentirem livres para criar. Passamos muito tempo falando não só dessa cena, mas de todas as outras, e queria que cada ator entendesse o que acontecia e por que acontecia. Então eles simplesmente faziam. Não havia nenhuma tensão no set. Fizemos a cena do frango apenas duas vezes, de pontos de vista distintos, porque tínhamos só uma câmera. É uma bela cena de punição e de vingança.</div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
<em><b>O que tanto o aproxima de Tracy Letts, dramaturgo de quem o senhor adaptou as peças "Bug" ("Possuídos") e "Killer Joe" para o cinema?</b></em></div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
Temos o mesmo ponto de vista sobre o mundo. "Possuídos" fala de como duas pessoas ficam perto uma da outra, absorvidas pela paranoia. "Killer Joe - Matador de Aluguel" é uma comédia de humor negro sobre a linha entre o bem e a mal, e Tracy tem uma visão bastante peculiar sobre isso. Eu só filmei esses dois textos, mas dirigi outra peça dele no palco, na Califórnia. Estamos conversando sobre um próximo projeto no cinema, que deverá ser um roteiro original dessa vez.</div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
<em><b>O seu cinema é marcado por personagens obsessivos e impetuosos, dotados de moral e crenças muito próprias. De que maneira o senhor se aproxima da psicologia tão particular de pessoas assim para retratá-las em cena?</b></em></div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
Já senti de alguma forma todas as emoções que coloco nas telas. Não faria um filme se não entendesse os personagens e não faço filmes há 45 anos por outro motivo senão pelo fato de que eu compreendo como se sentem as pessoas que retrato. Tudo o que escolhi filmar foi motivado pelo meu interesse pessoal nessas figuras e, por isso, me tornei cineasta. Por exemplo, já tive o instinto de machucar, já senti vontade de matar alguém. Nunca matei ninguém, é claro, mas entender o sentimento torna mais fácil abordar um personagem com o impulso de matar outra pessoa. Em tudo que faço e assisto gosto de ser envolvido nesse nível de intensidade.</div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
<em><b>O senhor está finalizando "The Friedkin Connection" [previsto para ser lançado em 16 de abril nos EUA], um livro de memórias. Que tipo de recorte foi feito na sua vida e obra?</b></em></div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
Espero que chegue ao Brasil. É uma autobiografia que me tomou três anos. Esperem muita honestidade sobre os meus sentimentos e de tudo que é mais importante para mim. Escrevo basicamente sobre minhas experiências no cinema e na ópera. Claro, a maior parte do livro é sobre aspectos profissionais, porque não sou o George Clooney. As pessoas não devem ter mais interesse na minha vida pessoal do que nos meus filmes.</div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
<em><b>O senhor tem alguma relação com o Brasil?</b></em></div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
<strong>Friedkin:</strong> Gosto muito do país de vocês! Tenho um projeto de documentário, a ser filmado em Imax, sobre o Carnaval, essa festa que conheci ao assistir a "Orfeu Negro" (1950), de Marcel Camus. Na verdade já seria meu próximo trabalho, mas por alguns problemas ele não foi feito, e acabamos por filmar "Killer Joe". Ainda pretendo fazê-lo. Além disso, a esposa de Matthew [McConaughey], Camila Alves, é do seu país, de Minas Gerais [da cidade de Itambacuri].</div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
<em><b>Apesar de dizer que não acompanha a produção atual de cinema, o senhor é fã dos irmãos Coen. O que gosta neles?</b></em></div>
<div style="font-family: Georgia, "Times New Roman", Times, serif; font-size: 13px; line-height: 1.2; margin-bottom: 0.8em;">
<strong>Friedkin:</strong> Meu favorito dos Coen ainda é o primeiro, "Gosto de Sangue" [1984], mas gosto muito de "Onde os Fracos Não Têm Vez" [2007] e adoro "Um Homem Sério" [2009], filme hilário que lembra muito a minha infância. Eles são grandes cineastas, que não se deixam levar pelos estúdios. Os Coen se baseiam naquilo que realmente os interessa e têm uma técnica muito precisa. São mais intensos do que qualquer um que trabalhe hoje em Hollywood.<br /><br />
<br /></div>
Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-69911790628374463382013-12-28T08:57:00.002-08:002023-08-07T21:05:30.875-07:00Arraste-me para o inferno: "Killer Joe"<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>No perturbador </i>Killer Joe<i>,
William Friedkin evidencia seu estilo direto e despudorado ao narrar a
trajetória de personagens sem possibilidade de redenção</i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>por Marcelo Miranda</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
(publicado na revista <i>Teorema</i>, edição 22, primeiro semestre de 2013)</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-MucYplHd6fw/Ur8B4GBn7PI/AAAAAAAAECk/9DIJJJts_tw/s1600/friedkin.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="131" src="http://4.bp.blogspot.com/-MucYplHd6fw/Ur8B4GBn7PI/AAAAAAAAECk/9DIJJJts_tw/s200/friedkin.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>William Friedkin no set</i></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aos moldes de Howard Hawks,
Samuel Fuller, John Carpenter, Jean-Luc Godard ou Maurice Pialat, o
norte-americano William Friedkin é um cineasta da evidência. Seus filmes não
significam, simbolizam, representam ou transmitem: eles simplesmente são.
Friedkin filma como mostra e mostra como filma; aquilo que aparece na tela é a
evidência objetiva e direta de como objetos ou corpos vistos pelos nossos olhos
em cena existem no mundo fora da tela. “A realidade é despojada, abstraída e,
finalmente, reintegrada ao seu estado bruto”<a href="file:///D:/Downloads/teorema-killer%20joe.doc#_edn1" name="_ednref1" title=""><span class="MsoEndnoteReference">1</span></a>.
Friedkin é, a seguirmos a essência do pensamento de Rogério Sganzerla, um
cineasta do corpo: “Os cineastas do corpo captam os exteriores dos seres e
coisas, valorizam as superfícies. Aí está um dos elementos da sua modernidade”<a href="file:///D:/Downloads/teorema-killer%20joe.doc#_edn2" name="_ednref2" title=""><span class="MsoEndnoteReference">2</span></a>. A relação com o corpo, em Friedkin, é
próxima do literal e, na maior parte das vezes, dolorosa: seus personagens são
fisicamente maculados, espancados, profanados, queimados, até verdadeiramente
destruídos. Em seu cinema, podemos sentir que a perceptível fragilidade do
corpo humano – a fineza da pele, os delírios da ferida profunda ou a dor de um
pequeno corte – está integralmente lançada na imagem e no som, sendo tratada,
de fato, como ela é e pode ser sentida por aquele que a testemunha durante a
projeção do filme. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em Friedkin, a deterioração
física muitas vezes surge acompanhada pela deterioração mental ou espiritual –
e vice-versa. Na medida em que perdem espaço para o demônio, corpo e mente da
garotinha Regan, em <i>O Exorcista</i> (<i>The Exorcist</i>, 1973), vão ficando
mais horrendos, purulentos, desprezíveis e destrutíveis. A reação imediata de
quem esteja ao redor é o nojo, a negação daquela imagem que parece não ter mais
reversão. A Regan doce e inocente dá lugar ao diabo encarnado e provocativo, de
voz gutural e gestos obscenos. Trajetória similar, porém em outros tipos de
ambientação e interação, vão ter o policial infiltrado nas boates
sadomasoquistas em <i>Parceiros da Noite</i> (<i>Cruising</i>, 1980) e o colega
do protagonista de <i>Viver e Morrer em LA</i> (<i>To Live and Die in LA</i>,
1985): ambos serão arrastados pelas circunstâncias e terão seus corpos e mentes
caminhando da tradição e obediência exigidos por seus deveres rumo ao
subversivo e irracional necessários a uma nova concepção moral de
sobrevivência.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Possuídos</i> (<i>Bug</i>,
2006) também guarda nas percepções do corpo aquilo que o irá destruir. Agnes e
Peter, ao se trancarem num quarto de motel na beira da estrada, formam o casal
singular que se deteriora a cada descontrole relativo a insetos e conspirações
do governo. Da impossibilidade de vencer as neuroses, apenas lhes resta a
autoimolação como gesto final de amor e cumplicidade. Jackie, único
sobrevivente da viagem suicida de <i>O Comboio do Medo</i> (<i>Sorcerer</i>,
1977) a bordo de um caminhão repleto de nitroglicerina, tem seus delírios nos
momentos finais da jornada, obcecado que está em cumprir a tarefa e
eventualmente ir embora daquele inferno que é o local onde se exilou para não
morrer nas mãos de bandidos. Porém, Jackie sabe que a fuga é impossível; na
evidenciação de limites físicos e espirituais, ele se dará o direito de
convidar uma moça para a última dança num bar imundo. “O medo irracional e a
paranoia são velhos amigos meus”, declara Friedkin em sua recém-publicada
autobiografia<a href="file:///D:/Downloads/teorema-killer%20joe.doc#_edn3" name="_ednref3" title=""><span class="MsoEndnoteReference">3</span></a>. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-H2ln7xm-5bQ/Ur8A3gNwFZI/AAAAAAAAECE/87Iyr18dT44/s1600/killer+joe.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="http://4.bp.blogspot.com/-H2ln7xm-5bQ/Ur8A3gNwFZI/AAAAAAAAECE/87Iyr18dT44/s320/killer+joe.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Killer Joe – Matador de
Aluguel</i> (<i>Killer Joe</i>, 2011) está menos atento a paranoias do que ao
medo irracional. Na essência, o que move o personagem Chris (Emile Hirsch) é o
bom e velho medo de morrer. Devedor de dinheiro a selvagens traficantes numa
pequena comunidade do Texas, o rapaz encontra no assassinato encomendado da mãe
a saída para seus dilemas. Terá o apoio do pai, da irmã e da madrasta. “Por
acaso ela está fazendo algo de bom?”, questiona Chris, ao justificar o porquê
de não sentir remorso por contratar um mercenário para eliminar a mãe, nunca
efetivamente vista no filme (exceto quando apenas um corpo morto) e descrita
pelos demais personagens como alcoólatra, drogada, amoral, encrenqueira e, nas
memórias da jovem Dottie (Juno Temple), a semi-assassina da filha. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O medo, portanto, move o xadrez
dos personagens centrais de <i>Killer Joe</i>. Medos distintos – não só da
morte, mas da pobreza, do desemprego, da humilhação, do sexo (apesar da
aparente ojeriza de Chris ao ver a madrasta andar nua pela casa, ele parece, na
verdade, muito mais amedrontado com a liberdade sexual que ela demonstra
possuir). Adaptado da primeira peça teatral de Tracy Letts, escrita com “um
arraigado sentimento de raiva” (segundo Friedkin) em 1991, quando o dramaturgo
tinha 25 anos, o enredo permite apenas a Joe Cooper, o policial corrupto que
faz serviços de assassinato sob encomenda, não sentir qualquer tipo de medo. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Joe (Matthew McConaughey) é uma
aparição na tela, uma “força da natureza” (como já definiu Friedkin), a imagem
mítica da perversão e da maldade travestida com roupa preta, chapéu, cinto e
óculos escuros, somados à pose de típico xerife de faroeste cuja propensão à
moral e aos bons costumes segue regras condizentes apenas a si mesmo. Joe
Cooper é uma espécie de anjo da morte, a materialização sobrenatural e
moralizante que perpassa o caminho de todos os demais personagens. Durante o
filme, ele é o único em cena a não ser mostrado em conflitos pessoais ou na
resolução de alguma pendenga efetivamente sua. Mesmo a propalada faceta de
policial apenas nos é dada pela narração de quem fala sobre Joe (num único
momento, ele é rapidamente visto saindo da delegacia de uniforme, antes de logo
se “transformar” na figura afetada do matador). </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sob aspectos tortos, Joe é também
o príncipe (des)encantado de Dottie. Num mundo sujo, grotesco e distante de
sentimentos positivos, Joe, esse ser que vem de fora para perturbar e dar
lições com seu modo brutal e opressivo, capta a atenção e o afeto da única
personagem em cena ainda não corrompida pelo veneno de rato a perpassar todos
os cantos. Existe certa lógica na intimidade distorcida criada entre Dottie e
Joe: submetida aos humores de um pai relapso e grosseiro, de uma madrasta
mentirosa e agressiva e de um irmão que, apesar de amá-la e tentar poupá-la,
aceita negociar sua virgindade como garantia de pagamento ao potencial
assassino da mãe – para Dottie, enfim, fabular e jantar com uma figura como
Joe, de discurso sedutor e manipulador, dono de “olhos que ofendem”, parece ser
quase o caminho natural (senão o único) que lhe resta dentro da lógica cruel
exposta pelo filme.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-nk95HspWC6c/Ur8A9oPfKlI/AAAAAAAAECM/8UQL_q_EleY/s1600/killerjoe1.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="170" src="http://3.bp.blogspot.com/-nk95HspWC6c/Ur8A9oPfKlI/AAAAAAAAECM/8UQL_q_EleY/s320/killerjoe1.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sem subterfúgios, Friedkin coloca
o espectador repentinamente um passo adiante de Joe na cena em que ele assedia Dottie. Quando ele pede que ela troque o vestido ali mesmo na sala, o
personagem vira-se de costas, mas a câmera se sustenta no olhar frontal. O
enquadramento se posiciona atrás de Joe, permitindo que tenhamos o mesmo ângulo
de seu olhar anterior para Dottie, porém nos inserindo na delicada e incômoda
situação de sermos apenas nós a vermos a nudez da garota. Quando Joe enfim se
vira, a câmera continua em Dottie, intercalando a imagem dela com
planos-detalhe do matador em seu <i>strip-tease</i> particular (no caso,
retirando de si os objetos que o identificam como sendo um policial).</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Eis é a grande questão
controversa de <i>Killer Joe</i>: o total e irrestrita ausência de redenção, de
respiro, rachaduras ou buracos na implacabilidade desenvolvida em seus 100
minutos de duração. A evidência característica da obra de Friedkin está, aqui,
em potência máxima. O recorte definido pelo texto de Tracy Letts e seguido à
risca pelo cineasta não tem qualquer puder de soar desagradável e reúne, desde
os primeiros segundos, sem ambiguidades, um festival de crueldade, desamor,
sujeira, traição, violência e opressão (física e psicológica). Podemos
novamente recorrer a Sganzerla ao falar dos filmes desprovidos de elementos
para além da produção de presença: “Os conflitos provêm do instinto animal dos
personagens, da condição animal do homem. A psicologia é relegada a segundo
plano, tornando-se impotente para 'explicar' este instinto”<a href="file:///D:/Downloads/teorema-killer%20joe.doc#_edn4" name="_ednref4" title=""><span class="MsoEndnoteReference">4</span></a>.
Ou então como já escreveu Godard: “Os seres e os objetos já não são situados
psicologicamente, nem moralmente e ainda menos sociologicamente”<a href="file:///D:/Downloads/teorema-killer%20joe.doc#_edn5" name="_ednref5" title=""><span class="MsoEndnoteReference">5</span></a>. Por essa lógica, <i>Killer Joe</i> não
traz (nem procura) responder às ações dos personagens; o filme pretende
simplesmente nos convidar a um passeio pelo inferno e exibir tais ações através
do que Sganzerla chamaria de “câmera cínica”, sem manejos cerebralistas,
formalistas ou intelectualizantes – em suma, sendo moderno.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Geograficamente, o inferno de <i>Killer
Joe</i> se situa no interior do Texas, apresentado no filme como ambiente
arcaico, retrógrado e primitivo, morada de “caipiras com muito espaço em
volta”, nas palavras de Chris. Forçando analogia não tão destituída de sentido,
este parece o mesmo Texas apodrecido mostrado por Tobe Hooper no clássico <i>O
Massacre da Serra Elétrica</i> (<i>The Texas Chainsaw Massacre</i>, 1974),
porém em chave dramática, e não horrorífica. Há, inclusive, uma referência
inesperada numa das falas de Joe: ao espancar Sharla (Gina Gershon), a
madrasta, o mercenário esbraveja: “Vou cortar seu rosto e usar em cima do meu!”
– exatamente o que o notório assassino do filme de Hooper fazia com as vítimas.
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No meio de todo o caos – tamanho
caos que permite ao filme entrar na chave do humor negro com naturalidade
desconcertante –, o afeto surge (logicamente envergado) no cuidado de Chris com
Dottie (não sem antes sabermos que o rapaz tem sonhos nos quais vê a irmã se
despindo diante dele) e no sentimento crescente que parece verdadeiramente
surgir de Joe para com a mesma Dottie. Os dois afetos mostrados no filme (de
Chris e de Joe) tendem a ser socialmente considerados doentios e questionáveis;
ao surgirem de maneira tão objetiva dentro da narração corpo a corpo do cinema
de Friedkin (reforçada por elipses temporais que nos suprimem alguns detalhes
do desenvolvimento dos personagens), provocam perturbação e inquietude na
experiência de se assistir ao filme. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i>Killer Joe</i> se sustenta na
exposição de uma trajetória fabular que, como qualquer autêntico conto de
fadas, contém uma premissa de risco, um entrecho de violência e um desenlace
moralizante, aqui acrescido de elementos de repulsa. Joe Cooper é o lobo mau da
história, Dottie é o ser inocente e puro a povoar suas fantasias, Sharla é a
madrasta má que será a grande artífice das vilanias do enredo. Na lógica de
Joe, há regras de comportamento que precisam ser apreendidas, e o pensamento a
reger tais regras é o daquele Texas primitivo já aqui comentado. No primeiro
encontro com Dottie, o mercenário narra a história de um homem que, para dar uma
lição à namorada que o traíra, ateou fogo nos próprios órgãos genitais. Ao
contar, ele se mostra transtornado pelo ato, mas reconhece, pelo discurso, que
a lição era necessária. “Aplicar uma lição” será exatamente o que Joe fará com
toda a família de Chris (exceto Dottie) na espetaculosa e polêmica sequência
final.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-SY3_WpYYDFc/Ur8BSN17iNI/AAAAAAAAECU/yTEWGmoGUZU/s1600/killerjoe2.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="http://2.bp.blogspot.com/-SY3_WpYYDFc/Ur8BSN17iNI/AAAAAAAAECU/yTEWGmoGUZU/s320/killerjoe2.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Grande exemplo do controle de
Friedkin sobre a atenção do espectador, o desfecho de <i>Killer Joe</i> dura 25
minutos, a partir do momento em que Ansel, o pai (Thomas Haden Church), e
Sharla, a madrasta, chegam em casa depois do funeral de Adele, a mulher
assassinada sob encomenda. Friedkin, como Roman Polanski, sempre foi um mestre
em controlar a ação dentro de espaços delimitados, desde os primórdios com <i>Os
Rapazes da Banda </i>(<i>The Boys in the Band</i>, 1970), passando pelos
momentos mais inspirados de <i>O Exorcista</i>, <i>Possuídos</i> e todo o seu <i>12
Homens e uma Sentença</i> (<i>12 Angry Men</i>, 1997). Como artífice de um
teatro da crueldade, Joe surge na cena final de <i>Killer Joe</i> e começa a
preparar o cenário: ele retira objetos de lugar, coloca uma coxa de frango
frito do K-Fry-C na mesa sob um guardanapo, atualiza-se sobre a apólice de
seguros de Adele, presta atenção a cada canto do trailer onde a família mora,
caminha, ajeita o ambiente – numa cuidadosa e intensa preparação para seu
perturbador espetáculo de sadismo. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O ápice será a o espancamento
seguido da felação de Sharla com a coxa de frango, enquanto Joe entoa o
discurso de que fora “injustiçado” em relação à apólice de seguro e ao
pagamento que lhe deviam pela morte encomendada de Adele. A “grande lição” de
Joe é filmada por Friedkin frontalmente, com planos baixos mostrando a mulher,
contra-<i>plongées </i>do rosto do criminoso enquanto fala e o olhar passivo de
Ansel: eis um trio de imagens que permite ao público testemunhar o ato grotesco
do personagem, sem qualquer tipo de filtro ou desvio. A ação de Friedkin
enquanto realizador é tão sádica quanto a de Joe enquanto personagem, ao mesmo
tempo em que mantém a lógica da exposição e evidência que perpassa todo o filme
– e, no choque entre <i>o que</i> vemos dentro da diegese e <i>como</i> vemos
essa diegese, há um curto-circuito na nossa sensibilidade, exatamente por
manter a coerência estética e narrativa. A “lição” dada por Joe não é bonita de
se ver e nem é filmada como algo bonito, mas o que temos ali é o personagem Joe
Cooper. Dentro de seu raciocínio opressivo e reacionário, aquele show de
horrores lhe faz todo o sentido, tanto quanto espancar Chris (com a ajuda de
Ansel e Sharla) para poder levar Dottie embora.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por maior que seja o tom
tragicômico em cada grande ato do enredo de <i>Killer Joe</i> – especialmente
no desenlace, incluindo a aparente e patética epifania de Joe ao saber da
gravidez de Dottie em meio à carnificina –, a tragicomédia exposta por Friedkin
pode nos causar riso muito mais por seu sentido de “tragédia” do que de
“comédia”. Eis, aqui, outro elemento de perturbação trabalhado no limite por
Friedkin. A relação entre riso e choque em <i>Killer Joe</i> de certo modo o
aproxima do cinema de Joel e Ethan Coen, não apenas pelo uso repentino e
gráfico de violência em alguns trechos, mas também pelos rumos rocambolescos da
trama cujo estopim é a ambição por dinheiro. Trata-se de um <i>Fargo</i> (1996)
ou um <i>Gosto de Sangue</i> (<i>Blood Simple</i>, 1984)<i> </i>mais
malcomportado, porém não menos trágico e irônico – e sem o teor um tanto quanto
manipulativo dos irmãos cineastas. Friedkin disse recentemente que os Coen são
os realizadores americanos que mais lhe interessam hoje em dia, o que revela
poder ter havido algum tipo de inspiração deles no desenvolvimento de <i>Killer
Joe</i> – permitindo, nisso, um refluxo de influências, visto que os Coen, mais
jovens, devem muito de suas estripulias à liberdade proporcionada pelo cinema
da geração de Friedkin. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Próximos dos 80 anos de idade, William Friedkin se mantém um
marginal da indústria, fazendo os filmes que bem entende da maneira que lhe
convém. Justamente por isso, permanece um diferencial dentro da própria
indústria que o abraçou nos anos 70 – após os Oscars por <i>Operação França</i>
(<i>The French Connection</i>, 1971) e o sucesso de <i>O Exorcista – </i>e
depois o expeliu, quando ele não se enquadrou, por motivos artísticos e
pessoais, ao modelo pasteurizado de Hollywood. Ninguém melhor que o próprio
Friedkin para encerrar este texto: </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoBodyTextIndent" style="text-align: right;">
<span style="font-size: 10.0pt;">“Eu nunca joguei pelas regras, muitas vezes para meu
próprio prejuízo. (…) Alguns dos meus filmes são muito conhecidos; outros foram
esquecidos, perdidos na montanha-russa que é Hollywood, onde alturas
vertiginosas são seguidas por profundezas angustiantes. (…) Você pode ter
prateleiras de troféus e citações, aparecer nas melhores listas dos críticos,
ser homenageado em festivais por todo o mundo, mas você ainda vai precisar se
encontrar com um jovem executivo de estúdio que nunca produziu, escreveu ou
dirigiu e vender-se a si mesmo como se fosse sua primeira vez.” <a href="file:///D:/Downloads/teorema-killer%20joe.doc#_edn6" name="_ednref6" title=""><span class="MsoEndnoteReference">6</span></a></span></div>
<br />
<div>
<!--[if !supportEndnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="edn1">
<div class="MsoEndnoteText">
<a href="file:///D:/Downloads/teorema-killer%20joe.doc#_ednref1" name="_edn1" title=""><span class="Caracteresdenotadefim">1</span></a> Rogério Sganzerla no artigo “A 'câmera'
cínica”, publicado originalmente no jornal <i>O Estado de S.Paulo</i> em 11 de
julho de 1964 e reproduzido nos livros <i>Por um Cinema sem Limite</i>
(Azougue, 2001) e <i>Textos Críticos 1</i> (Ed. UFSC, 2010). </div>
</div>
<div id="edn2">
<div class="MsoEndnoteText">
<a href="file:///D:/Downloads/teorema-killer%20joe.doc#_ednref2" name="_edn2" title=""><span class="Caracteresdenotadefim">2</span></a> Rogério Sganzerla no artigo “Cineastas do
corpo”, publicado originalmente no jornal <i>O Estado de S.Paulo</i> em 26 de
junho de 1965 e reproduzido nos livros citados na nota anterior. </div>
</div>
<div id="edn3">
<div class="MsoEndnoteText">
<a href="file:///D:/Downloads/teorema-killer%20joe.doc#_ednref3" name="_edn3" title=""><span class="Caracteresdenotadefim"><span lang="EN-US">3</span></span></a><i><span lang="EN-US"> The
Friedkin Connection – A memoir</span></i><span lang="EN-US"> (Ed. </span>HarperCollins, 2013)</div>
</div>
<div id="edn4">
<div class="MsoEndnoteText">
<a href="file:///D:/Downloads/teorema-killer%20joe.doc#_ednref4" name="_edn4" title=""><span class="Caracteresdenotadefim">4</span></a> Idem nota 1.</div>
</div>
<div id="edn5">
<div class="MsoEndnoteText">
<a href="file:///D:/Downloads/teorema-killer%20joe.doc#_ednref5" name="_edn5" title=""><span class="Caracteresdenotadefim">5</span></a> Citado por Rogério Sganzerla em “A 'câmera'
cínica”.</div>
</div>
<div id="edn6">
<div class="MsoEndnoteText">
<a href="file:///D:/Downloads/teorema-killer%20joe.doc#_ednref6" name="_edn6" title=""><span class="Caracteresdenotadefim">6</span></a> Idem nota 3.</div>
<div class="MsoEndnoteText">
<br /></div>
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Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-59890579549361606102013-04-24T10:15:00.002-07:002013-04-24T10:18:02.525-07:00Os brasileiros em Cannes 2013Os dois curtas-metragens brasileiros selecionados para mostras paralelas do 66º Festival de Cannes – o paranaense <i>Pátio</i>, de Aly Muritiba, estará na Semana da Crítica; o mineiro <i>Pouco Mais de </i><i>um Mês</i>, de André Novais Oliveira, participa da Quinzena dos Realizadores – são, ao menos até agora, os únicos representantes do País no maior evento de cinema do mundo. Numa edição do festival quase sem nenhuma presença latina, ambos têm em sua gênese a inspiração de experiências estritamente pessoais e o fato de terem sido vistos por olheiros de Cannes em janeiro, na 16ª Mostra de Tiradentes, onde foram apresentados na seção Foco, a principal vitrine de curtas do festival<br />
mineiro.<br />
<br />
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-MRYvlnuX1E4/UXgSSiHw1xI/AAAAAAAADdU/rye9FgZ3tX4/s1600/aly.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://2.bp.blogspot.com/-MRYvlnuX1E4/UXgSSiHw1xI/AAAAAAAADdU/rye9FgZ3tX4/s320/aly.jpg" width="213" /></a>Aly Muritiba (à direita), nascido na Bahia e radicado no Paraná, trabalhou por sete anos como agente penitenciário na Casa de Custódia de São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. Em paralelo, cursou cinema na capital. A junção das duas atividades lhe deu a ideia de realizar uma trilogia de filmes ambientada na cadeia e da qual Pátio é a segunda parte. “Essa imersão, de ter passado tanto tempo em contato com aquele mundo (da prisão), me fez refletir sobre o sentido, ou melhor, a falta de sentido, do sistema penal e no quanto quem está lá dentro, seja preso ou funcionário, é visto com enorme preconceito”, diz o diretor.<br />
<br />
<i>Pátio</i>, de linguagem minimalista, fixa a câmera diante de uma grade onde se consegue ver o dia de um grupo de presos num momento de recreação. Eles conversam, jogam bola, falam de suas vidas e famílias, tentam fazer o tempo passar – até que a noite vem e os encaminha de volta às celas. “Busquei uma abordagem, digamos, mais humanizada do sistema penitenciário brasileiro, ao ser visto de dentro para fora”, afirma o cineasta.<br /><br />
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-a1xrXi-fE08/UXgSSIqyKXI/AAAAAAAADdM/QujXBfXB91w/s1600/andre.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://3.bp.blogspot.com/-a1xrXi-fE08/UXgSSIqyKXI/AAAAAAAADdM/QujXBfXB91w/s320/andre.jpg" width="299" /></a><br />
A primeira parte da trilogia de Muritiba, <i>A Fábrica</i>, foi lançada em 2011, percorreu mais de 100<br />
festivais em todos os continentes e ganhou 62 prêmios mundo afora. Pátio venceu, no começo<br />
de abril, o troféu de melhor curta do É Tudo Verdade, em São Paulo. O desfecho da trilogia está filmado e montado. Será um longa-metragem, intitulado <i>A Gente</i>. Com ele, o realizador vai completar a trinca de pontos de vista do sistema prisional – os familiares, os presos e os agentes penitenciários.<br />
<br />
No caso de <i>Pouco Mais de um Mês</i>, a fagulha para o filme veio de um momento de intimidade entre André Novais (à esquerda) – diretor, roteirista, produtor e ator do curta – e a namorada, Elida Silpe. Numa manhã em que acordaram juntos no apartamento dela, a moça mostrou ao rapaz um fascinante fenômeno ótico de “câmara escura” em seu quarto, no terceiro andar do prédio: ao atravessar um furo na cortina fechada da janela, o reflexo da luz do sol gerava, no teto, uma imagem nítida e invertida da rua. “Quando vi aquilo pela primeira vez, tive imediatamente a vontade de fazer um filme a respeito”, relembra o cineasta.<br />
<br />
Em menos de 20 dias, André escreveu o roteiro sobre um casal vivendo a insegurança do começo de uma relação amorosa. Como ele e Elida viviam momento similar, o autor sugeriu à recém-namorada que ambos atuassem no filme, mesmo sem formação profissional como intérpretes. Apesar de parecer, <i>Pouco Mais de um Mês</i> não chega a ser um filme autobiográfico. “Inventei aquela situação entre dois personagens”, revela. Ao realizador, interessava transmitir o naturalismo do instante, o que lhe permitiu assumir a influência do iraniano Abbas Kiarostami e do britânico Mike Leigh.<br />
<br />
Filmado num único sábado, em outubro do ano passado, e montado em quatro dias, <i>Pouco Mais de </i><i>um Mês</i> guarda apenas dois elementos efetivamente vindos da vida real de André e Elida: a “câmara escura”, que André conseguiu filmar com o diretor de fotografia Gabriel Martins, seu sócio na produtora Filmes de Plástico (junto com Maurílio Martins e Thiago Macêdo); e um monólogo em que ele narra, com voz <i>off</i>, como conheceu Elida durante a mostra Indie, em Belo Horizonte.<br />
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<b>* Íntegra de matéria parcialmente publicada no <i>Estado de S. Paulo</i> no dia 24.4.2013.</b>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-73079707917376963962013-01-15T17:12:00.001-08:002013-01-15T17:22:42.730-08:00Michael Haneke e "Amor"<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.studiobriefing.net/wp-content/uploads/2012/05/Amour.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="212" src="http://www.studiobriefing.net/wp-content/uploads/2012/05/Amour.jpg" width="320" /></a></div>
Nascido em Munique de família austríaca, Michael Haneke é um homem que ri. Pode soar estranho constatar isso de um artista que já nos ofereceu trabalhos tão duros no cinema, muitas vezes experiências realmente perturbadoras de se acompanhar. Mas Haneke tem sorrido cada vez mais desde quando <i>A Fita Branca</i> (2009) se tornou seu projeto mais premiado em toda a carreira – incluindo a Palma de Ouro no Festival de Cannes. No último domingo <i>(em maio de 2012)</i>, novamente no evento francês, Haneke roía as unhas enquanto, sentado no Grand Theatre Lumiére, acompanhava a premiação da 65ª edição do festival. Quando <i>Amor</i> foi anunciado pelo italiano Nanni Moretti, presidente do júri, como o ganhador da Palma deste ano, o austríaco renovou o sorriso e não o largou mais.<br />
<br />
<i>Amor</i> aparenta ser uma quebra na forma estética e narrativa de Michael Haneke. Na verdade, pode ser um tipo de continuidade inesperada numa trajetória marcada por trabalhos de crueza exemplar, em que a representação da violência e os limites humanos são testados a cada nova situação apresentada. O diretor se tornou efetivamente conhecido de boa parte do público no Brasil com a repercussão de <i>A Professora de Piano</i> (2001), no qual Isabelle Huppert encarnava uma mulher sexualmente reprimida no meio de relações transtornadas com a mãe opressora e um aluno por quem ela se sentia atraída. O tom e a visão de mundo do filme, próximos de um pesadelo filmado como realidade, tornou-se a referência de Haneke para entusiastas e detratores. Dali em diante, cada longa-metragem era aguardado como a nova pancada do cineasta.<br />
<br />
E eles vieram aos montes: <i>Tempos de Lobo </i>(2003), <i>Caché</i> (2005), <i>Violência Gratuita US</i> (2007), <i>A Fita Branca</i> (2009). Todos confirmaram elementos comuns na filmografia de Haneke: a brutalidade filmada fora de quadro, o uso do som como elemento de perturbação, a inserção de imagens de vídeo como propulsores da narração, o profundo rigor nos enquadramentos e em longos planos, a personalidade gélida dos protagonistas, a visão amarga e política para o universo retratado. Um enorme culto se criou em torno de Haneke, especialmente com a descoberta de filmes dos anos 1990 fundamentais para que seu modelo de cinema fosse construído – casos da versão original de <i>Violência Gratuita</i> (1997), já há anos um cult de locadora, e pelo mosaico armado no inquietante <i>71 Fragmentos de uma Cronologia do Acaso</i> (1994).<br />
<br />
A exploração contínua e crescente de universos, ambientações e olhares através do filtro do cinema pode atingir ápices tamanhos que o desafio posterior de um artista é abandoná-los ou driblá-los. Michael Haneke deve ter se colocado nessa situação. Ninguém (nem realizador nem espectador) sai incólume de uma experiência como <i>A Fita Branca</i>, goste-se ou não do filme. O austríaco pareceu ter alcançado o máximo impacto do que vinha desenvolvendo sobre basicamente tudo que sempre o mobilizou. Como não esgotar a si mesmo? Do que mais falar se já refletiu o próprio nascedouro do mal e sua ascensão numa Europa abalada por guerras e ideologias?<br />
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<a href="http://www.ecufilmfestival.com/wp-content/uploads/2012/05/cannes-palme-haneke-amour-0082-e1338229838471.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="192" src="http://www.ecufilmfestival.com/wp-content/uploads/2012/05/cannes-palme-haneke-amour-0082-e1338229838471.jpg" width="320" /></a></div>
A solução de Haneke foi voltar ao essencial. <i>Amor</i> não é necessariamente uma quebra dentro de suas obsessões artísticas, mas é certamente um “respiro”. Isso nem de longe significa que o diretor deixe de lado a crueza e o choque como catalisadores. Porém, o cineasta o faz com maior carga de ternura, de maneira pouco vista anteriormente no que conhecemos dele.<br />
<br />
A afetuosidade já se inicia na escalação do elenco, todo formado por ícones do cinema francês. Jean-Louis Trintignant, 81, prêmio de melhor ator em Cannes por <i>Z</i> (1969), estava afastado das telas há 14 anos, em dedicação exclusiva ao teatro. Emmanuelle Riva, 85, foi eternizada por Alain Resnais em <i>Hiroshima Mon Amour</i> (1959). Para completar, surge discretamente em cena Isabelle Huppert, 59, imagem simbólica de uma geração posterior e aqui em terceira colaboração com Haneke.<br />
<br />
Na coletiva de imprensa após a primeira sessão de <i>Amor</i> no Festival de Cannes, o diretor entoou: “Eu não quis falar sobre a sociedade em si”. E completou: “Não escrevo filmes para mostrar alguma coisa. Uma vez que você alcança uma certa idade, tem de lidar com o sofrimento de alguém que ama. Isso é inevitável, e na minha vida também”. A escolha por retratar um casal idoso trancado num apartamento foi, portanto, fruto de deliberação consciente e, pode-se dizer, necessária ao cineasta. Aos 70 anos, Haneke pode estar entrando naquela fase pela qual colegas como Clint Eastwood, Manoel de Oliveira e Woody Allen já avançam: a reflexão sobre a morte e a busca pelo entendimento do momento derradeiro do homem.<br />
<br />
No caso de Haneke, é interessante que ele tenha passado 25 anos mostrando filmes em que a morte era a questão fundamental (sempre como consequência de sociedades doentes) e, em <i>Amor</i>, ele a aponte como a caminhada natural do ser humano. O filme reflete muito claramente esse olhar de aceitação e resignação sobre algo tão incontrolável quanto inevitável.<br />
<br />
Trintignant e Riva formam o casal companheiro que, num certo dia, vê-se destroçado por uma doença que a acomete. A primeira manifestação da anomalia em Riva é filmada como um primor de contenção e tensão. A mulher simplesmente pára de se mover, de pensar, de falar; seu olhar se esvazia, a atenção desaparece, e nada do que o marido faz é capaz de devolvê-la à realidade. Algo está muito errado, nos avisa o filme. Estaremos sempre ao lado de Trintignant, acompanhando cada passo de sua adesão completa e irrestrita aos males da esposa. Seu corpo e o dela, ambos limitados pela idade, vão remodelar uma relação que ganhará outra maneira de existir – de fato, a única maneira possível. Como o cinema de Haneke, talvez?<br />
<br />
Ela é um corpo defeituoso e paralisado; ele é o corpo ativo, resignadamente em busca de algum conforto para a companheira. A certa altura, ela exige dele a promessa de que jamais a internará num hospital. Dentro do apartamento, portanto, ambos tentarão seguir adiante, sem esperanças para além da inevitabilidade da partida. “Eu levanto, dou algo para ela comer e beber, dou banho, depois vamos dormir. E vai ser assim até não ser mais”, afirma o marido, em aceitação quase harmônica com a despedida da mulher.<br />
<br />
Filmando em ambiente fechado, Michael Haneke se permite explorar, usando como limites do quadro a arquitetura de portas e paredes, as possibilidades de movimentação e o que também vem de fora do que está sendo mostrado. O protagonista, quando sozinho, caminha pelos cômodos e carrega consigo, na imagem, a presença da mulher. Sabemos sempre que ela está por ali, em algum lugar, incapacitada de agir, muitas vezes murmurando em desespero “dor, dor, dor”. Os encontros com um pombo, momentos simbólicos do filme, são a representação mais simples e certeira para um olhar muito duro que o austríaco imprime ao drama. Haneke pode estar reiniciando seu ciclo artístico, mas permanece o autor que todos conhecemos. Que o espectador, portanto, não espere facilidades.<br />
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<b><br /></b></div>
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<b>* Originalmente publicado no jornal "Zero Hora" (RS) em junho de 2012</b></div>
Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-72289203703928304252013-01-04T11:43:00.002-08:002013-01-04T11:45:41.288-08:00Leonor Silveira<br />
<a href="http://www.otempo.com.br/otempo/fotos/20121027/foto_26102012213943.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="http://www.otempo.com.br/otempo/fotos/20121027/foto_26102012213943.jpg" width="194" /></a>No fim de sua adolescência, a estudante portuguesa Leonor Silveira foi acompanhar uma amiga num teste de elenco para um filme. Chegando ao local, ela foi abordada por alguém que a perguntou se ela mesma, Leonor, aceitaria arriscar um papel em outro longa-metragem sendo feito. Chamava-se "Os Canibais", musical bastante heterodoxo dirigido por um tal Manoel de Oliveira. Leonor fez o teste (cantando apenas "parabéns pra você"), foi aprovada e participou do filme. Ela tinha 17 anos.<br />
<br />
Exatamente hoje <i>(27-10-2012)</i>, Leonor Silveira faz aniversário. Completa 42 anos de idade. Desses, ela passou 25 trabalhando em outros 18 filmes de Manoel de Oliveira desde 1988, quando estreou "Os Canibais". É absolutamente impossível pensar no cinema do centenário mestre português (ele faz 104 anos em novembro) sem vincular na mente o rosto, o corpo, o olhar e a expressividade de Leonor, elementos tão caros a alguns dos instantes mais sublimes já filmados pelo cineasta.<br />
<br />
A atriz esteve na 36ª Mostra de Cinema de São Paulo ao longo desta semana, promovendo a exibição de "O Gebo e a Sombra", novo filme de Manoel no qual ela é uma das personagens - ao lado de nomes como Claudia Cardinale, Jeanne Moreau e Michael Lonsdale. Leonor voltou para Lisboa ontem, onde passaria o aniversário com o marido e os filhos. Leia entrevista.<br />
<br />
<b>Houve algum momento, lá no início da sua carreira, em que você percebeu que a parceria com Manoel de Oliveira seria uma relação artística tão duradoura e intensa?</b><br />
O Manoel é tão grande, tão imenso, que você nunca pensa que as coisas vão perdurar. Todos os convites que se recebe para um trabalho com ele é uma honra, é mais um grau. Nunca previ que fôssemos chegar a tanto tempo e tantos filmes juntos. Até porque eu sempre só sabia que participaria de algum novo trabalho dele quase nas vésperas da rodagem (risos).<br />
<br />
<b>"Vale Abraão" (1993 - foto abaixo) deve ser o maior filme que vocês fizeram: reconstituição de época, quatro horas de duração, inspiração em Gustave Flaubert e sua presença em praticamente todas as cenas. A experiência te marcou de alguma forma?</b><br />
Foram quatro meses para fazermos "Vale Abraão". Tudo muito intenso, eu encarnei uma protagonista difícil. Havia forte influência do cenário, dos espaços onde a gente atuava, tudo que estava ao redor influenciava nos sentimentos dos personagens. E tinha ainda o peso, a importância, do livro da Agustina Bessa-Luís (autora portuguesa adaptada várias vezes por Manoel de Oliveira), que era outro elemento importante na nossa construção.<br />
<br />
<b>Como é Manoel no set?</b><br />
Em geral, atores que acabaram de chegar para estar num filme dele esperam ser dirigidos e respeitarem sua vontade. Mas Manoel considera que o ator sabe muito melhor o que deve ser feito, então não é ele que vai explicar o que vai se fazer. Não alterando texto nem movimentação do corpo na cena - enfim, toda a disciplina que ele exige -, você tem a liberdade e o respeito nos sentimentos. Manoel confia na capacidade instintiva do ser humano de se levar pelas emoções, e é isso que ele espera.<br />
<br />
<b>Com a disciplina exigida por ele, como você chega a essas emoções instintivas?</b> Eu sou muito esponja, para além da parte técnica de estudar personagem e roteiro. Acho que absorvo tudo quanto é energia. O espaço, as cores, as palavras no texto, tudo ganha uma dimensão diferente a cada instante e da forma como surgem na rodagem. São meus instrumentos de trabalho. O frio de "O Gebo e a Sombra", por exemplo: não preciso tremer para sentir que estou completamente desprotegida naquele lugar. Toda a obediência com as palavras ajuda a sentir isso, e não só às palavras que você tem que dizer, mas também as que vêm dos outros atores. De certa forma, nunca há silêncio nos filmes de Manoel. O que pode parecer silencioso é, de fato, a espera pela palavra do outro.<br />
<br />
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<a href="http://www.otempo.com.br/otempo/fotos/20121027/foto_26102012215134.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="235" src="http://www.otempo.com.br/otempo/fotos/20121027/foto_26102012215134.jpg" width="320" /></a></div>
<b>Com uma ou duas exceções, você foi atriz apenas de Manoel de Oliveira em 25 anos de carreira.</b><br />
Já tive outros convites, muitos interessantes, de cineastas que admiro muito. Mas entrar no universo do Manoel torna difícil ir além. Vira uma condição de vida, de alguma forma. E tenho outros afazeres além do ofício de ser atriz. Acho que vivo ainda um "working in progress". Amo cinema, mas virei atriz totalmente ao acaso. Antes de "Os Canibais", tinha experiência apenas numa montagem estudantil de uma peça de Ionesco (risos). Eu estudava no Liceu Francês, em Lisboa. Queria ser médica, era matriculada num curso de letras, gostava de cinema e virei atriz.<br />
<br />
<b>"O Gebo e a Sombra" é todo ambientado num único espaço, com planos longos que chegam a mais de 20 minutos e um cuidado extremo na movimentação e presença dos atores. Foi difícil elaborar o filme?</b><br />
O processo de filmar em digital virou docinho pro Manoel (risos). Para se ter ideia, ele queria fazer o filme todo sem corte, num plano único. Não tem mais o tempo que era exigido pela película, o digital permite não ter limite temporal. Em "O Gebo e a Sombra", Manoel começava a filmar e não avisava quando devíamos parar. O assistente de direção precisava ir a ele e cochichar: "Precisamos cortar, Manoel". À medida que o tempo avança no filme, você (tanto o ator quanto o espectador) está vivendo tudo que se passa ali.<br />
<br />
<b>Se você destacasse um único filme dentre os 19 que já fez com Manoel de Oliveira, qual seria seu favorito?</b><br />
Prefiro dizer qual me deu mais alegria de rodar. Gostei imensamente de fazer "Party" (1996), por uma sucessão de acontecimentos. Teve aquele lugar maravilhoso (o filme foi rodado num balneário), tinha o roteiro, as cores da ilha, a interação com os outros atores (Irene Papas, Michel Piccoli, Rogério Samora). Foi a minha melhor rodagem, a mais divertida.<br />
<br />
<b>De que tipo de cinema você gosta?</b><br />
Adoro Walter Salles, aqui do Brasil. Todo cinema acaba por ter um impacto especial em cada momento do ciclo da nossa vida. De repente sentimos a força de nomes que nem sempre levamos em conta. Você pode amar Abbas Kiarostami e Nanni Moretti na mesma medida. E sou fã de tudo que já foi feito pelo Wong Kar-wai.<br />
<br />
<b>Você tem alguma referência na atuação?</b><br />
Fico em casa: Luís Miguel Cintra (ator português de cinema e teatro, participou de vários trabalhos de Manoel de Oliveira). Sua relação com os mais jovens, a descoberta da profundidade de um roteiro aparentemente simples, todo o simbolismo que ele carrega, acho incrível.<br />
<br />
<b>Nos últimos cinco anos, você exerceu funções importantes no ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual), órgão do governo de Portugal. Ser atriz e conhecer a produção por dentro ajudou na atividade?</b><br />
A experiência me dá o conhecimento de uma arte que não pode ser compreendida apenas como processo administrativo. É preciso haver a aceitação de que o cinema é uma área de especificidade muito frágil em sua lógica de produção. Então foi uma mais-valia eu ter entrado na lógica administrativa tendo sido atriz em tantos filmes.<br />
<br />
<b>Como você tem sentido a crise financeira em Portugal?</b> <b>O cinema português (que, como o Brasil, depende bastante do governo para existir) está sofrendo muito?</b> É um horror, uma catástrofe absoluta. Vivemos numa queda de receitas de todo tipo, o governo cortou várias linhas de investimento, nem houve edital para produção em 2012. É o deserto absoluto. As consequências virão em 2013 e 2014, já que não se produziu cinema em Portugal este ano. Algumas produtoras já estão fechando, há muita gente sem ter o que fazer. É aterrador. Precisa-se se entender de uma vez que um país sem cultura é um país sem sociedade construída. Então vira obrigatoriedade cívica e humana o investimento na cultura.<br />
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<b>* Originalmente publicado em "O Tempo" em 27.10.2012</b><br />
<b>* Foto de Leonor Silveira por Aline Arruda/Agência Foto</b>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-86254090020018313732013-01-04T11:34:00.000-08:002013-01-04T11:34:20.160-08:00Abbas Kiarostami e o Japão<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.otempo.com.br/otempo/fotos/20121030/foto_29102012192845.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="227" src="http://www.otempo.com.br/otempo/fotos/20121030/foto_29102012192845.jpg" width="320" /></a></div>
Há aproximadamente 18 anos, Abbas Kiarostami caminhava pelas ruas de Tóquio quando viu passar uma jovem de uniforme estudantil branco. A imagem da moça - seus traços, suas roupas, a movimentação, o jeito algo enigmático - fascinou o cineasta do Irã a ponto de ele alimentar, por todo esse tempo, a vontade de narrar uma história ambientada naquela cidade com uma personagem que se assemelhasse à tal garota. "Se eu tivesse uma câmera fotográfica naquele dia, talvez nunca tivesse pensado mais nisso", comenta ele.<br />
<br />
Sem câmera na ocasião, Kiarostami esperou quase duas décadas para, enfim, jogar na tela as imagens e a narrativa fascinantes de "Um Alguém Apaixonado", filme que está na programação da 36ª Mostra de São Paulo e cuja primeira exibição aconteceu na noite de domingo, no Cinesesc, com a presença do diretor. O iraniano está na cidade tanto para acompanhar o longa quanto para ser agraciado com o Prêmio Leon Cakoff 2012, tributo antes conhecido como Prêmio Humanidade e que, a partir desta edição, leva o nome do fundador da Mostra, falecido no ano passado.<br />
<br />
"Um Alguém Apaixonado" foi todo realizado em Tóquio, com elenco japonês e um universo de urbanidade que, como o próprio Kiarostami frisa, só poderia existir da forma que ele buscava no Japão. Trata-se de seu segundo filme seguido fora do Irã - antes, ele filmara "Cópia Fiel" (2010) na Itália. "Sempre faço o mesmo filme, de alguma forma, independente de onde estou. Sou eu ali filmando o tempo todo", simplifica ele.<br />
<br />
Na juventude, Kiarostami, hoje aos 72 anos, assistiu a inúmeros trabalhos japoneses na Cinemateca de Teerã. Diz ter sido um fiel admirador de Yasujiro Ozu (1903-1963). Na pré-produção de "Um Alguém Apaixonado", ele viu alguns trabalhos recentes feitos no país e ficou decepcionado. "Acho que estão apenas querendo imitar Hollywood".<br />
<br />
Em "Um Alguém Apaixonado", a estudante Akiko (Rin Takanashi) inicia o filme sendo convocada para um trabalho aparentemente enigmático ao espectador na casa de um professor (Tadashi Okuno). Antes, ela precisa lidar com o namorado ciumento (Ryo Kase). O emaranhamento desses três personagens vai ser o centro do filme; detalhar o que acontece tira a experiência que é se impregnar pelo caminhar lento e hipnótico desenvolvido por Kiarostami.<br />
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Sob total controle do tempo de cada cena e utilizando de um trabalho de fotografia especial, ele demonstra pleno domínio da forma, levando adiante questões caras ao seu cinema, como identidade, falsidade, deslocamento e sentimentos conflituosos - tudo a partir de gestos, lacunas e olhares. "Tentei não me deixar influenciar pelo fato de estar em Tóquio como alguém de fora, de não permitir que o filme soasse como a visão estrangeira de outra cultura", conta. "Deixei que o filme transparecesse o olhar de um cidadão de Tóquio, a partir de um acontecimento que fosse parte do cotidiano da cidade".<br />
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<b>* Originalmente publicada em "O Tempo" em 30.10.2012</b><br />
<b>* Foto de Abbas Kiarostami por Mário Miranda/Agência Foto</b><br />
Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-47921947796469371022013-01-04T11:29:00.001-08:002013-01-04T11:31:13.445-08:00Sergei Loznitsa: mapas da vida na Rússia<br />
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<a href="http://1.bp.blogspot.com/-oIhwFK3-33c/UOcstxCltNI/AAAAAAAADLI/RU4LBtdQC3Y/s1600/loznitsa.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="185" src="http://1.bp.blogspot.com/-oIhwFK3-33c/UOcstxCltNI/AAAAAAAADLI/RU4LBtdQC3Y/s320/loznitsa.jpg" width="320" /></a></div>
O movimento mais característico no cinema de Sergei Loznitsa é a panorâmica lateral, em que a câmera se move lentamente para a direita e exibe a mescla entre paisagens naturais e urbanas e rostos de pessoas anônimas. "A face humana é o mapa da vida", resume o cineasta ucraniano de 48 anos, homenageado neste ano pela Mostra de Cinema de São Paulo. Loznitsa está na cidade acompanhando a retrospectiva de sua obra, formada em maior parte por documentários.<br />
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São duas ficções, porém, que, ao competirem à Palma de Ouro em Cannes nos anos de 2010 e 2012, tornaram o nome de Loznitsa mais badalado no circuito mundial. "Minha Felicidade" e "Na Neblina" apresentaram a muitos críticos e espectadores o talento de um realizador cuja visão crua e brutal da Rússia é elemento fundador de um trabalho realmente especial. Ao se tomar contato com os documentários do diretor, a impressão se expande e revela um cineasta de observação singular e sensibilidade a tudo que esteja ao seu redor.<br />
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"Gosto muito de viajar e, em todos os lugares para onde vou, sempre olho e os considero potencialmente como lugares para fazer um filme", conta ele, em bate-papo num hotel em São Paulo. "Essa minha atenção acontece automaticamente, eu simplesmente penso oh, aqui tem uma situação fantástica para observar. Enquanto viajo, procuro lugares que me soem impactantes para filmar e que funcionem como um microcosmo, um espaço concentrado de alguma coisa ou de algum mistério de quem circula por ali".<br />
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Os títulos de alguns documentários de Loznitsa revelam o procedimento. Filmes como "Fábrica", "Paisagem", "Retrato", "A Colônia" e "A Estação de Trem" reúnem fragmentos de espaços para onde ele decidiu apontar a câmera e simplesmente captar o fluxo, o movimento, as conversas, os olhares, as complexidades de ambientes nem sempre devidamente percebidos pela pressa cotidiana. Loznitsa conta ter influências da literatura de Franz Kafka e Marcel Proust na busca por paradoxos e por ambientes "onde estamos, mas não deveríamos estar".<br />
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Outro aspecto essencial na obra do cineasta - tanto documental quanto ficcional - é a desilusão com os rumos políticos e sociais da Rússia. Loznitsa nasceu em Baranovitchi, território da Bielorrúsia, ex-república soviética. Ainda jovem, mudou-se para Kiev, na Ucrânia, onde estudou matemática e exerceu trabalhos na área de tecnologia, antes de decidir fazer cinema. Em 1991, foi estudar em Moscou e se formou no Instituto de Cinematografia, estreando em 1996 com o curta-metragem "Hoje Vamos Construir uma Casa".<br />
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-uh7DLmhCNus/UOctM132gNI/AAAAAAAADLQ/U0RRfPEoK1o/s1600/loznitsa2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="211" src="http://4.bp.blogspot.com/-uh7DLmhCNus/UOctM132gNI/AAAAAAAADLQ/U0RRfPEoK1o/s320/loznitsa2.jpg" width="320" /></a></div>
A vivência nas três cidades - antes de se mudar para Berlim, na Alemanha, onde reside com a família - lhe deu formação sólida e aprimorou a desilusão de seu olhar em relação à Rússia pós-comunista. Em "Cinejornal" (2008) e "Bloqueio" (2005), Loznitsa fala diretamente, com profundo teor crítico e às vezes sarcástico, de movimentos históricos e políticos do país. "A Rússia está num processo talvez irreversível de degradação", dispara.<br />
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Loznitsa não teme represálias do governo Vladimir Putin devido às suas críticas, mas reconhece que o atual regime não lida bem com opositores que reclamam de suas políticas - outro aspecto a indignar o cineasta. "Minha Felicidade", filme de uma violência latente que brota gratuitamente de pequenas instituições de poder (especialmente a polícia), nasceu de noticiários de jornal. "Tentei, com o filme, apresentar a estrutura da nossa sociedade hoje e como ela está condenada a desaparecer", comenta. Não à toa, a produção de "Minha Felicidade" (foto acima) foi negada pelo comitê de cinema do país e precisou ser financiada por investidores da Alemanha e da Ucrânia.<br />
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Na segunda ficção, "Na Neblina" - vencedora do júri da crítica em Cannes, em maio -, Loznitsa volta ao passado. Adaptando o romance de Vasili Baykov, o diretor vai à 2ª Guerra Mundial para acompanhar a trajetória de três soldados às voltas com uma traição, durante a ocupação alemã na União Soviética. "A história não é um evento, mas o reflexo de um evento. O que aprendemos é sempre a cronologia da história, é aquilo que veio antes, durante e depois de alguma situação histórica. Porém, quando aconteceram, todos os fatos de determinada época eram simultâneos. A cronologia é uma invenção nossa", reflete Loznitsa.<br />
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A ambição do cineasta, portanto, é mostrar no cinema o emaranhado de acontecimentos que culminam no que ele chama de "consequências da história". Daí seus filmes serem essencialmente sobre grupos ou situações múltiplas, tendo vários personagens envolvidos em diversas ações ao mesmo tempo e em épocas distintas. Para Loznitsa, nada é mensurável pela ordem, mas pelo tempo. Ele leva o conceito para a própria estética. "Gosto de planos longos, sem cortes, porque eles permitem a você captar o tempo enquanto assiste às imagens e transmitem um senso de realidade muito grande".<br />
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<b>*Originalmente publicado em "O Tempo" no dia 1.1.2012</b><br />
<b>* A foto de Sergei Loznitsa é de Mário Miranda/Agência Foto.</b>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-40182974298783132112013-01-03T06:03:00.002-08:002013-01-03T06:16:26.151-08:00Simone Spoladore<i>A atriz curitibana Simone Spoladore, 33 anos, vai ser homenageada no final de janeiro de 2013 na 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Em fevereiro de 2010, escrevi o perfil abaixo para o jornal "O Tempo" e republico aqui aproveitando o ensejo. </i><br />
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-pTYRsEBjAdk/UOWOf6sGTzI/AAAAAAAADKc/SC9WAsihy6w/s1600/simone1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="210" src="http://4.bp.blogspot.com/-pTYRsEBjAdk/UOWOf6sGTzI/AAAAAAAADKc/SC9WAsihy6w/s320/simone1.jpg" width="320" /></a></div>
Para uma artista que se define como alguém em constante inquietação, os longos silêncios que antecipam as respostas de Simone Spoladore às perguntas feitas pelo repórter parecem não combinar com sua forma de se apresentar. Herança da origem paranaense? Na verdade, um pouco de cada coisa: Simone é uma atriz que pensa muito antes de se envolver num projeto, e só se envolve nos projetos que escolhe por causa da sua propalada inquietação.<br />
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"É algo que não se resolve nunca [na minha personalidade], e fico lidando com isso, tentando me acalmar, mas sempre procurando coisas novas", diz ela, em conversa por telefone direto de Curitiba, onde passa o restante desta semana descansando com a família.<br />
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O tempo será pouco para o tanto de trabalhos com os quais Simone, aos 31 anos de idade, tem se envolvido. Nos últimos meses, ela pôde ser vista em três filmes, uma peça de teatro e uma novela. Muito em breve, estará em outra peça e outros dois filmes, fora a novela "Bela, a Feia", na Record, que segue até maio.<br />
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Uma efervescência coerente à trajetória desta atriz que completa, em 2010, redondos 15 anos de carreira. O marco de sua caminhada, após experiências informais com balé, é a peça de teatro "Meno Male", de Juca de Oliveira, feita quando ela tinha 16. "Foi o primeiro trabalho pelo qual recebi algum dinheiro", brinca.<br />
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De lá até aqui, Simone se tornou uma espécie de musa da amargura. Após extenso currículo nos palcos (nunca interrompido, aliás), ela estreou no cinema com "Lavoura Arcaica", filmado em 1998 e apenas exibido a partir de 2001. Foi escolhida pelo diretor Luiz Fernando Carvalho entre outras 700 candidatas ao papel de Ana, personagem angustiada do livro de Raduan Nassar. O filme também lhe serviu de primeira experiência fora de Curitiba - Simone estava em São Paulo estudando atuação quando soube dos testes. Toda a preparação para fazer a Ana me fez mergulhar muito intensamente no cinema, que sempre foi minha grande paixão", conta.<br />
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Antes de "Lavoura...", porém, pôde ser vista na série televisiva "Os Maias", apresentada na Globo e na qual a atriz participava da primeira fase da história de Eça de Queiroz. Ela fazia a oportunista Maria Monforte, figura-chave da tragédia criada pelo escritor português. Na direção, novamente Luiz Fernando Carvalho, de quem Simone se tornou namorada por algum tempo - relação pessoal sobre a qual ela é profundamente discreta.<br />
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-Ekc78j9Jshw/UOWPW8v8EqI/AAAAAAAADKs/IeyjuFgQYVc/s1600/simone2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="156" src="http://4.bp.blogspot.com/-Ekc78j9Jshw/UOWPW8v8EqI/AAAAAAAADKs/IeyjuFgQYVc/s320/simone2.jpg" width="320" /></a></div>
Simone Spoladore é muito convicta de que toda aquela fase ainda tateante da carreira foi primordial para a maturidade que ela acredita ter alcançado hoje - e, ironicamente, ela se vê muito próxima como o que era há 15 anos. "A Simone de ontem é bem parecida com a de hoje", constata. "No meio do caminho eu precisei passar por um processo de adaptação, mudar de cidade, lidar com vários detalhes da profissão. Depois de tudo, me sinto mais perto do frescor daquele começo, de todo o prazer, até de uma certa ingenuidade, no sentido positivo do termo".<br />
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A mudança foi de Curitiba para São Paulo e depois Rio de Janeiro, em definitivo (após "Os Maias" e no intuito de fazer a novela "Esperança"). Mas ela não se diz muito satisfeita na capital carioca. "Ainda tenho dificuldades, não consigo me adaptar bem ao Rio", assume. "Penso em me mudar para São Paulo, mas antes talvez faça uma viagem ao exterior depois que acabar a novela".<br />
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Ela não sabe explicar o porquê de não se adequar ao Rio. De novo: seria herança da natureza mais reservada do paranaense, em choque com o tropicalismo exacerbado dos cariocas? Fato é que, mais uma vez ironicamente, a curitibana inquieta se mostra outra vez desassossegada com qualquer comodismo.<br />
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Acostumada a personagens intensos, sofridos, doloridos, Simone Spoladore tem se divertido ao interpretar Verônica, a cartunesca vilã da novela “Bela, a Feia”, na TV Record. “Nunca tinha feito comédia na televisão e estou adorando a experiência. É bom rir em cena”, afirma ela, que ainda tem sutis ressalvas à TV. “Estou aprendendo a gostar”.<br />
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A voz da atriz se empolga de verdade ao falar de teatro e cinema. Tanto que ela não consegue apontar qual dos dois prefere, ainda que demonstre pender para o audiovisual. Não à toa, Spoladore poderá ser vista em ao menos quatro filmes ao longo de 2010. Três deles têm sido exibidos em festivais mundo afora: “Natimorto”, de Paulo Machline, no qual contracena com o escritor Lourenço Mutarelli (autor do livro adaptado por Machline); “Insolação”, no qual retoma, via cinema, parceria com o dramaturgo Felipe Hirsch, aqui acompanhada de Daniela Thomas na direção; e “Elvis e Madona”, comédia de Marcelo Laffitte na qual Spoladore é uma lésbica que se apaixona por um travesti.<br />
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“São personagens muito diferentes em filmes totalmente distintos”, destaca a atriz, sem temor de uma eventual superexposição. Tanto é que ela já se prepara para voltar a um set de filmagem, a partir de 7 de março, quando vai integrar o elenco de “Nove Crônicas para um Coração aos Berros”, estreia na direção de longas do brasiliense Gustavo Galvão.<br />
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Antes disso, Spoladore poderá ser vista em “Luz nas Trevas – Revolta de Luz Vermelha”, filmado no ano passado por Helena Ignez e Ícaro Martins a partir de um roteiro de Rogério Sganzerla. “É uma participação pequena, faço uma perua, esposa do personagem do Sérgio Mamberti”, adianta.<br />
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No teatro, Spoladore fez, no ano passado, seu primeiro projeto autoral. “Louise/Valentina” surgiu de conversas suas com o colega Felipe Vidal, inspiradas pela personagem de quadrinhos Valentina, criação do italiano Guido Crepax, e pela atriz norte-americana Louise Brooks (1906-85). “Entramos na sala de ensaios só com um pré-roteiro e criamos o espetáculo lá dentro”, relembra.<br />
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Apresentado no Rio de Janeiro, o monólogo de “Louise/Valentina” integra dança, artes visuais, cinema e HQs e ainda deve percorrer outras cidades do país. Enquanto aguarda definições, Spoladore estará no Paraná, no Festival de Teatro de Curitiba, com a peça “Não Sobre o Amor”, dirigida novamente por Felipe Hirsch.<br />
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<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/ZVgmemJn944?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div>
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<br />Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-19351839075473584902012-09-15T14:03:00.000-07:002012-09-15T14:03:03.299-07:00Cosmópolis, de David Cronenberg<br />
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-9bOLWbM6dWM/UFTs07kVXRI/AAAAAAAACsA/RikkKObY4i0/s1600/cosmopolis.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="212" src="http://4.bp.blogspot.com/-9bOLWbM6dWM/UFTs07kVXRI/AAAAAAAACsA/RikkKObY4i0/s320/cosmopolis.jpg" width="320" /></a></div>
O canadense David Cronenberg trouxe a Cannes 2012 uma pancada em termos políticos e estéticos como há muito ele não fazia. Cosmopolis adapta com jeito todo particular o romance de Don DeLillo, em produção cirurgicamente econômica do português Paulo Branco. Em cena, Eric, um yuppie numa limusine dentro do coração econômico de Manhattan e às voltas com protestos populares que fazem ponte direta do filme com movimentos recentes de ocupação em Wall Street.<br />
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Todo filmado em Toronto, no Canadá, Cosmopolis exala uma artificialidade provocadora na recriação de ambiente, com evidente uso de chroma key visto pela janela nas cenas internas do carro em contraste à autêntica fortaleza tecnológica no interior do veículo. O mundo verdadeiro de Eric está basicamente naquela limusine; o que está fora não lhe diz respeito, ou pelo menos não lhe dizia respeito até ele tentar refletir sobre o que surge pelo caminho. Há a imagem muito forte dessa limusine completamente pichada e maltratada servindo de símbolo perfeito ao próprio descascamento do personagem.<br />
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Robert Pattinson encarna com propriedade e segurança o executivo-escovinha que cisma em cortar o cabelo do outro lado da cidade. A interpretação do ator tem a carga fascinante de indiferença vista, por exemplo, no Ryan Gosling de Drive. A quebra da casca e a viagem física e mental desse personagem são o mote de um filme surpreendentemente verborrágico e reflexivo, em que a construção das cenas tem uma precisão digna de te levantar da cadeira quanto algo se desestabiliza. Um tiro absolutamente inesperado coloca o espectador, até então siderado pelo tom hipnótico de Cosmopolis, numa zona de desconforto ainda maior, em que absolutamente tudo é passível de acontecer. Usando o próprio cinema de Cronenberg como referência, é algo similar à cena do café em Marcas da Violência, porém mais abrupta e direta.<br />
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Dentro da filmografia de Cronenberg, Cosmopolis tem um visual e uma energia que dialogam diretamente com suas produções de maior risco, especialmente dos anos 1990, como Crash, Mistérios e Paixões e eXistenZ. O experimentalismo do filme quebra a sequência de projetos de estrutura mais clássica que o realizador vinha desenvolvendo desde Marcas da Violência e mantém a obsessão pelo corpo (suas funcionalidades e limites). “Tem cheiro de sexo exalando de todos os seus poros”, diz uma personagem a Eric. Cronenberg leva curvas e movimentos humanos para a essência do filme. Ele sempre filmou sexo muito bem, e em Cosmopolis há o complemento de uma reflexão, em diálogos e provocações, do significado da sexualidade numa sociedade materialista e esvaziada de valores.<br />
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Outro aspecto fascinante são os “solos” de diversos atores (Samantha Morton, Juliette Binoche, Mathieu Amalric, Paul Giamatti) em interação com a angústia crescente do protagonista. Cada um representa um tipo de questionamento, uma outra forma de olhar as coisas, a problematização das certezas que a realidade daquele executivo construiu através de riqueza e regalias – e a exploração da mão de obra proletária. O desfecho, em especial (uma longa cena de diálogo em tensão total), põe abaixo as certezas e promove o encontro com o mundo “verdadeiro”.<br />
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É uma experiência curiosa ver Cosmopolis seguindo uma sequência de filmes particularmente instigantes (Like Someone in Love, de Abbas Kiarostami, e Holy Motors, de Leos Carax), que exigem adesão a mundos exclusivamente cinematográficos a partir de elementos como carros em deslocamento, diálogos filmados dentro de “bolhas” isoladas e a colocação em xeque da noção de representação e realidade. Uma trinca marcante, desde já.<br />
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<b>*Publicado em "Filmes Polvo" em maio de 2012, na <a href="http://filmespolvo.com.br/site/eventos/index/65" target="_blank">cobertura</a> do Festival de Cannes</b><br />
Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-67986792103612368372012-09-15T13:58:00.001-07:002012-09-15T13:58:27.755-07:00Febre do Rato, de Cláudio Assis<br />
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<a href="http://1.bp.blogspot.com/-Y0aq1Sta8mo/UFTr20AifoI/AAAAAAAACr4/kKf5ieJHkBY/s1600/febre.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="247" src="http://1.bp.blogspot.com/-Y0aq1Sta8mo/UFTr20AifoI/AAAAAAAACr4/kKf5ieJHkBY/s320/febre.jpg" width="320" /></a></div>
Os filmes do pernambucano Cláudio Assis sempre explicitaram a forte pessoalidade do trabalho de seu realizador, mas nenhum deles ("Amarelo Manga" em 2002, "Baixio das Bestas" em 2006, para ficar só nos longas-metragens) pareceu trazer um personagem tão visceralmente similar à figura de Cláudio do que o poeta Zizo, protagonista de "Febre do Rato". A relação era tanta que Beto Brant, diretor de "O Invasor" e "Crime Delicado", leu o roteiro e sugeriu que o próprio Cláudio interpretasse o papel.<br />
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No filme que estreia hoje em Belo Horizonte, porém, quem faz Zizo é Irandhir Santos, parceiro de longa data do cineasta. Desta vez, segundo Cláudio, o que ele fez foi poesia. "Queriam que eu contasse as minhas histórias de outro jeito. Pronto, aí está", dispara ele. "É um filme sobre o quanto você paga para ser quem você é".<br />
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Adepto de uma abordagem brutal da realidade no Recife - primeiro o aspecto urbano, em "Amarelo Manga", depois o rural, em "Baixio das Bestas" -, Cláudio Assis criou uma capital pernambucana atemporal em "Febre do Rato". A cidade é contemporânea, disso não há dúvidas, mas o tom, o fluxo das imagens, a maneira como o realizador a coloca na tela, vem de outro tempo - um tempo indefinido.<br />
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Daí que a escolha do preto e branco, magnificamente fotografado por Walter Carvalho, é tão importante. "Se eu filmasse em cores, não chamaria tanta atenção para alguns aspectos que eu quis reforçar. Fiz o filme como uma experiência sobre esse espaço que é o Recife de hoje".<br />
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O longa segue o dia a dia de Zizo, poeta marginal que imprime desenhos e escritos num panfleto distribuído pelas ruas. Ele brada a todo instante em nome da liberdade, do amor livre, do olhar poético sobre o mundo. "Sou fornecedor de sonhos", exalta.<br />
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Um grupo de amigos o acompanha em suas crenças. Entre eles, há o coveiro vivido por Matheus Nachtergaele, que tem uma relação malresolvida com um travesti; e as vizinhas adeptas do álcool e da sexualidade ardente, uma delas sendo Maria Gladys, musa "marginal" do cinema de Julio Bressane e Rogério Sganzerla e que, aos 72 anos, não economiza em desprendidas cenas de nudez. "É um filme de amor, acima de tudo, e é libertário", diz Cláudio.<br />
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Zizo transita levemente por Recife até se deparar com Eneida (vivida por Nanda Costa), que se torna a musa total do poeta na mesma intensidade com que insiste em rejeitá-lo. Essa relação nunca explicitamente consumada na tela entre Zizo e Eneida ganha os principais contornos efetivamente poéticos do filme, culminando num momento especialmente intenso envolvendo boca e urina. "Ousadia não se compra na esquina" é um dos gritos de Zizo e, não à toa, a frase favorita de Cláudio Assis dentre as várias do personagem.<br />
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O roteiro, escrito por Hilton Lacerda ao longo de anos e incorporado por colaborações de Cláudio e do escritor Xico Sá, parte de uma expressão popular do Nordeste que dá título ao filme. A "febre do rato" é o termo usado para definir o estado de uma pessoa fora de controle. Ao seu modo, Cláudio Assis se descontrolou como nunca no novo filme, no melhor de todos os sentidos. "É assim que o cinema é feito, ou pelo menos aquele em que acredito: com emoção, com sentimento, com vontade", afirma o diretor.<br />
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Para o futuro, Cláudio tem dois projetos em andamento. Um deles é "Piedade", a partir de um texto inédito de Xico Sá. Outro é - surpresa - um filme infantil, a ser realizado a pedido do filho do diretor, Francisco. Intitulado "Chão de Estrelas", deverá se focar nos sonhos e desejos infantis e no olhar de descoberta de quem está começando a enxergar o mundo com mais afinco. "O cinema, para mim, é arte, é a construção de uma nação. Assim quero continuar", decreta o alter ego de Zizo.<br />
<br /><b>*Publicado em "O Tempo" em 7.9.2012</b><br />
Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-64712224187530167072012-09-15T13:52:00.001-07:002012-09-15T13:52:29.617-07:00"Pânico" em blu-ray<br />
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-1N-eUMnUVxc/UFTqMahPfxI/AAAAAAAACrw/VnA-PgEZ-tM/s1600/panico.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="320" src="http://1.bp.blogspot.com/-1N-eUMnUVxc/UFTqMahPfxI/AAAAAAAACrw/VnA-PgEZ-tM/s320/panico.jpg" width="258" /></a>Em 1996, a chegada de "Pânico" aos cinemas representou o começo de um fenômeno. Primeiro, pela renovação de um gênero desgastado, o terror de assassinatos (ou "slasher movie"); segundo, pelo início de uma franquia que iria render ainda outros dois filmes nos cinco anos seguintes e ainda a sobrevida feita uma década depois, com "Pânico 4", exibido em 2011; e por fim, devido à quantidade até insuportável de cópias, pastiches e deboches que até hoje são feitos.<br />
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A quadrilogia original, toda ela dirigida pelo norte-americano Wes Craven, ganhou um elegante box lançado pela distribuidora Imagem. Há a opção dos quatro títulos em DVD e outra com os longas na alta definição do Blu-ray.<br />
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Entre vários elementos, um dos mais notáveis da franquia "Pânico" foi o quanto sua longevidade não a envelheceu. Se voltarmos ao filme de 1996, ele permanece um terror autêntico e surpreendente. Por mais que os elementos centrais tenham sido exaustivamente repetidos e referenciados, ainda permanecem com o frescor proporcionado pelo excepcional domínio de Craven na narrativa, na construção do suspense e no equilíbrio entre a trama propriamente (escrita pelo roteirista Kevin Williamson, que também se tornou uma grife) e as várias referências aos clichês do próprio gênero.<br />
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Com o sucesso, Craven melhorou o que parecia ótima e fez um filme ainda mais elaborado - e também ambicioso em "Pânico 2" (2000). Nada como a experiência de quem foi inventor de um dos mitos do horror no cinema, o assassino Freddy Krueger, bolado por Craven para seu "A Hora do Pesadelo" (1984). O personagem foi utilizado num sem-fim de sequências, recomeços e remakes.<br />
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No caso de "Pânico", a imagem icônica permanece a da fantasia do assassino (ou, em alguns casos, assassinos), uma roupa típica de festa do Dia das Bruxas que virou símbolo do filme. Alguns espectadores que viram os filmes há muito tempo podem ter dificuldade de lembrar quem matou e quem morreu, mas sempre vão ter aquela máscara como referência.<br />
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Depois de uma terceira parte menos expressiva (ainda que bem significativa), a franquia foi deixada de lado. Parecia concluída como trilogia, até que Craven decidiu voltar com "Pânico 4" e fez um dos filmes mais interessantes lançados no ano passado. Ao seu modo, o cineasta realizou o grande "testamento" da indústria de Hollywood para a era do excesso de exposição, da fofoca, do egocentrismo midiático. "Pânico 4" é uma reflexão madura do século XXI, travestido de terror "slasher" com sangue a rodo.<br />
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<b>Coleção "Pânico"</b><br />
<i>Scream</i>, EUA, 1996, 1998, 2000, 2011<br />
<b>ÁUDIO:</b><br />
inglês e português<br />
<b>LEGENDAS:</b> português, inglês<br />
<b>FORMATO DE TELA:</b> widescreen 16:9 (filmes 1 e 4), tela cheia 4:3 (filmes 2 e 3)<br />
Suspense/terror - Cor - Imagem<br />
<b>Direção:</b> Wes Craven<br />
<b>Com</b> Neve Campbell, Courteney Cox, David Arquette, Matthew Lillard, Skeet Ulrich, Liev Schreiber<br />
<b>PREÇO:</b> R$ 74,90 (DVD), R$ 149,90 (blu-ray)<br />
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<b>*Publicado em "O Tempo" em 16.8.2012</b>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-34415292572761943032012-09-15T13:46:00.002-07:002012-09-15T13:47:53.262-07:00O vaivém nos curtasPor muitos cantos, o clichê ainda é propalado: o curta-metragem é uma "escada" para o longa-metragem. Falsa premissa, já negada várias vezes ao longo da história por realizadores que, num movimento muitas vezes curioso, fizeram curtas, depois partiram para o longa e, em determinado momento, retornaram ao curta.<br />
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Recentemente, o vaivém ganhou pelo menos dois contendores de envergadura no panorama da produção audiovisual brasileira. Um é o gaúcho Jorge Furtado, com seu novo trabalho, "Até a Vista"; outro é a paulista Juliana Rojas (foto abaixo), cuja produção mais recente é "O Duplo". Ambos os títulos estão na programação da Mostra Brasil do 23º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo.<br />
<br />
Furtado e Rojas são de gerações distintas. Ele, aos 53 anos, tornou seu nome conhecido no cinema brasileiro com o curta "Ilha das Flores" (1989), marco da produção do país ainda hoje reverenciado. Após vários outros trabalhos de pequena duração, o cineasta estreou no longa com "Houve uma Vez Dois Verões" (2002) e fez bastante sucesso com "O Homem que Copiava" (2003).<br />
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Mesmo assim, Furtado se rendeu às origens e lançou o curta "Até a Vista" no Cine PE, em Recife, em abril deste ano - e, de lá, saiu com os prêmios de melhor filme, roteiro, ator (Felipe de Paula) e trilha sonora. Realizado pela produtora de Furtado, a Casa de Cinema de Porto Alegre, originalmente para o projeto Fronteras, o filme é uma coprodução com a 100 Bares, pertencente ao argentino Juan José Campanella, conhecido pelos sucessos "O Filho da Noiva" (2001) e "O Segredo dos seus Olhos". O trânsito entre cinema e televisão sempre foi bastante comum para Furtado e o faz lidar naturalmente com a mudança de trajetos entre duração e formato dos filmes.<br />
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-kvdy3eRsp_Q/UFToTI78bQI/AAAAAAAACro/g1jHXrPB5t0/s1600/juliana.jpeg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://4.bp.blogspot.com/-kvdy3eRsp_Q/UFToTI78bQI/AAAAAAAACro/g1jHXrPB5t0/s320/juliana.jpeg" width="268" /></a>Os olhares de dúvida são uma constante para quem, especialmente no Brasil, se arrisca a sair de um longa-metragem para fazer mais curtas. Juliana Rojas, 31, confirma. "Há, sim, um estranhamento", conta ela, que fez dois filmes curtos ("Pra eu Dormir Tranquilo" e "O Duplo") depois de estrear em festivais e no circuito comercial seu primeiro longa, "Trabalhar Cansa" (2011), dirigido em parceria com Marco Dutra. "Existe um pensamento muito de 'carreira' que não costuma incluir o curta-metragem. Então muita gente acaba não entendendo por que você, depois de realmente iniciar uma 'carreira' ao fazer o longa, voltou a fazer curta".<br />
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A cineasta tem trajetória especial. Antes de "Trabalhar Cansa" - que competiu na mostra Um Certo Olhar, no Festival de Cannes -, havia feito vários curtas-metragens. Dois deles, também com Dutra ("O Lençol Branco" e "Um Ramo"), foram exibidos em Cannes em 2004 e 2007, respectivamente. "O Duplo" levou Rojas novamente à França, em maio deste ano, e lhe rendeu um prêmio na competição de curtas da seção Semana da Crítica.<br />
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Mesmo assim, Rojas sente que, na hora de buscar apoios para a feitura de um longa-metragem, a "carreira" nos curtas é válida somente uma vez. "O 'Trabalhar Cansa' é o que passou a ser considerado na minha trajetória. Em geral, não faz diferença a um possível apoiador ou patrocinador o fato de a gente ter vários curtas ou que tenhamos ido a Cannes com eles. Isso servia antes da estreia do longa. Depois, é o 'Trabalhar Cansa' que vai importar no currículo".<br />
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É um raciocínio tipicamente comercial de um mercado de produção essencialmente voltado a "empreendimentos", na definição do cineasta e curador paulista Francisco César Filho - popularmente conhecido como Chiquinho. Com quase três décadas de dedicação absoluta ao cinema em diversas frentes, ele aponta meados da década de 1980 como a guinada à valorização do curta-metragem enquanto forma autônoma de linguagem.<br />
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"Naquela época, o curta se tornou um formato de ponta no audiovisual no mundo inteiro", conta Chiquinho. "Foi um período em que cineastas importantes descobriram que ali não estava apenas um formato, mas outra maneira de fazer filmes. Nomes como Jean-Luc Godard e Wim Wenders passaram a trabalhar com curtas mesmo depois de terem feito alguns longas-metragens", observa.<br />
<div>
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<b>Liberdade.</b> <br />
O cineasta Francisco César Filho, que tem vários curtas-metragens no currículo, demorou quase 30 anos para se render à realização de um longa. Em janeiro deste ano, exibiu pela primeira vez "Augustas", no encerramento da Mostra de Cinema de Tiradentes. "Sob diversos aspectos, não me interessa. Existe um tipo de comprometimento, especialmente em relação a lançamento, que foge daquilo que eu gosto realmente de fazer", afirma.</div>
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Ele acredita que a liberdade proporcionada por um curta-metragem - tanto em termos estéticos e criativos quanto na mecânica financeira - torna a feitura algo bastante sedutor a realizadores de criatividade pulsante. "A ideia de comércio é inerente ao longa, e não há muito como escapar, ainda mais atualmente, em que se valoriza o grande espetáculo em detrimento da criação. Já o curta ainda preserva o descompromisso mercadológico, o que é muito libertador".<br />
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O cineasta aponta que, quando um realizador de longa se arrisca num curta, sai "oxigenado, revigorado, estimulado". "Em geral, os diretores passam tanto tempo preocupados com a realização de longas que não têm tempo de brincarem e se aproveitarem de outros formatos. Mas alguns tentam e, quando conseguem, sentem-se renovados para sempre".<br />
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Um exemplo foi o paulista Beto Brant - que veio do curta-metragem e depois enveredou em longas como "Os Matadores" (1995) e "O Invasor" (2001). No ano passado, ele participou do Cel.U.Cine, festival de micrometragens para o qual fez "Nicinha, um Transe Amazônico" em celular e com apenas três minutos de duração. Ficou encantado com as possibilidades proporcionadas, chegando a afirmar, na época, que tinha revolucionado sua maneira de pensar a liberdade numa realização.<br />
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Para Juliana Rojas, o maior motivador de permanecer fazendo curtas mesmo depois de "Trabalhar Cansa" é justamente os aspectos de formação e risco. "O processo de um longa, apesar de ser importante, é um tanto traumático. Tem uma complexidade grande e um ritmo desgastante física e emocionalmente, e você precisa estar muito apaixonado pelo projeto para se dedicar tanto a ele", diz ela. "Já o curta é diferente. Ele é um haikai, um recorte, não exige que você faça 'a grande ideia'. É outro tipo de aprendizado e permite que se experimente e se aprenda muita coisa que, no longa, não seria possível".<br />
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A realizadora pretende seguir transitando entre os formatos, o que lhe garante estar sempre em atividade. Rojas prepara um curta experimental, "Wild Track"; outro longa, "As Boas Maneiras", com o amigo Marco Dutra; e um telefilme para a TV Cultura, "Sinfonia da Necrópole", definido por ela como "um musical num cemitério".<br />
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<b>*Publicado em "O Tempo" em 25.8.2012</b></div>
Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-36161097263334891042012-09-15T13:35:00.001-07:002012-09-15T13:35:52.076-07:00Entrevista: Gonçalo Tocha"É na Terra não É na Lua", do português Gonçalo Tocha, foi exibido no festival É Tudo Verdade deste ano. Em seu segundo longa-metragem, Tocha faz uma viagem sensorial e quase mística à ilha do Corvo, localizada nos Açores. "Ele e a equipe se instalam por lá e convivem por um longo tempo com seu meio milhar de habitantes. O filme que gravam é uma espécie de diário de bordo, em que a descoberta de um mundo isolado se faz a partir de seus reflexos numa subjetividade", destaca Amir Labaki, fundador e curador do festival. "São três horas absolutamente hipnóticas".<br />
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Leia abaixo uma conversa com Gonçalo Tocha, realizada por e-mail, sobre "É na Terra não É na Lua".<br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-pXvXrqybX-U/UFTmT4fNKLI/AAAAAAAACrg/KrEdujElinw/s1600/tocha.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="215" src="http://4.bp.blogspot.com/-pXvXrqybX-U/UFTmT4fNKLI/AAAAAAAACrg/KrEdujElinw/s320/tocha.jpg" width="320" /></a></div>
<b>A partir de quais interesses surgiu a proposta de "É na Terra não É na Lua"?</b> Surgiu da minha atracção pelo imaginário das ilhas, pela paixão que tenho com o arquipélago dos Açores (terra de família e memória de infância), do desejo de conhecer e descobrir a ilha mais afastada e pequena, da vontade de estar no meio do mar e na sequência do meu primeiro filme, o "Balaou" (2007), filmado a bordo de um veleiro ao largo da ilha maior dos Açores, S.Miguel.<br />
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<b>Em que medida a experiência de ir até a ilha do Corvo foi se ajustando ao seu modo de filmar, de captar imagens e de documentar aquele espaço?</b> Fui-me transmudando e influenciando na forma de viver e estar naquela ilha. Deixei que tudo pudesse influenciar a minha forma de filmar, de modo a que surgisse uma coisa nova entre mim, a ilha e os seus habitantes. A rodagem demorou perto de dois anos, entre idas e vindas. No meio desse tempo, tudo se foi adensando e alterando: as histórias, os mitos, a minha entrada neste microcosmo e, no final, a minha condição de habitante temporário da ilha.<br />
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<b>O que foi mais marcante ao ter o filme pronto?</b> O que mais me surpreendeu foi o quão podemos nos afastar da energia inicial que nos leva a começar um filme e do longo caminho que tive de fazer, fora da ilha, para a ela voltar e a este impulso inicial e supremo de descobrir as coisas do mundo pela primeira vez. Nisto, a montagem pode ser a nossa perdição. Para mim, não deveríamos falar de montagem de filme. Só há reorganização e sublimação da tua experiência prática e cinematográfica de rodagem.<br />
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<b>Tenho a impressão de que existe uma visão quase "cósmica" da natureza na sua abordagem, algo próximo dos filmes de Terrence Malick e de Michael Cimino, que se apropriam de maneira muito forte dos espaços onde filmam.</b> Ainda que goste, não são os meus autores de referência. Em todo o caso, eles têm uma dimensão panteísta que me interessa muito. O espaço onde vais filmar é tudo, o tal espaço fundador com que sonhaste, a que se junta o máximo tempo possível que tiveres para lá habitar. Os temas, ou assuntos, podem ser ratoeiras de um filme, mas o espaço é a sua verdadeira trama. A partir daí, tudo pode acontecer: as nuvens que passam, a onda que sobe o cais, o som da discoteca no meio da noite, o bezerro que acaba de nascer...<br />
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<b>No Brasil, o circuito de documentários é restrito, apesar da grande produção. Em Portugal, existem muitos documentaristas em atividade? Eles conseguem exibir seus filmes?</b> Em Portugal é capaz de haver, neste momento, mais pessoas a fazer documentário do que ficção. Isto porque os apoios para fazer filmes são mínimos, há cada vez menos, e algumas formas de documentário permitem-te ir à aventura com uma câmara, quase sozinho. Houve um grande "boom" de documentaristas portugueses a partir de meados dos anos 1990 e, a partir daí, tudo mudou. Há uma energia vital nos realizadores em que uns estimulam os outros. Em todo o caso, à quantidade não corresponde necessariamente a força dos filmes. Os casos de documentários portugueses de referência que inovaram o género vieram de cineastas que partem da ficção (Pedro Costa e Miguel Gomes). Exibir o filme comercialmente em sala é toda uma outra questão. O cinema norte-americano continua a monopolizar 95% das salas.<br />
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<b>*Publicado em "O Tempo" em 28.8.2012</b>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-82375121833956787262012-09-15T13:23:00.001-07:002012-09-15T13:35:37.154-07:00Quentin Tarantino em livro<br />
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-P6NYJ_N3wi8/UFTji9dlxzI/AAAAAAAACrM/EvMvnTF0g_s/s1600/tarantino-1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" height="221" src="http://1.bp.blogspot.com/-P6NYJ_N3wi8/UFTji9dlxzI/AAAAAAAACrM/EvMvnTF0g_s/s320/tarantino-1.jpg" width="320" /></a>Ainda que tão bem-sucedido em seus elementos visuais, o filme se parece como parte de um teste do diretor, uma ocasião para um novo cineasta mostrar seus talentos". A frase foi escrita pelo crítico Todd McCarthy, na ocasião do lançamento de "Cães de Aluguel" nos cinemas, em 1992. Na mesma época e do mesmo filme, Leonard Klady escreveu: "De sua cena de abertura pode-se imediatamente reconhecer que o roteirista/diretor Quentin Tarantino é um jovem talento dos bons".<br />
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Antologia, fortuna crítica, almanaque. Várias são as acepções possíveis para o ótimo "Quentin Tarantino", organizado por Paul A. Woods em 2005 nos EUA e lançado agora no Brasil pela Leya/Barba Negra. Vem em caprichada edição repleta de fotos e no simpático formato quadrado 23 x 20 cm.<br />
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Reunindo vasto material que abarca cada momento da trajetória do cineasta norte-americano, o livro tem desde críticas, reportagens e entrevistas a trechos de roteiro e textos assinados pelo próprio Tarantino. Para manter a atualidade do material, a editora brasileira incluiu três artigos inéditos assinados por Cassius Medauar e versando sobre os trabalhos lançados pelo realizador após 2005 (a saber: "Sin City", de Robert Rodriguez e no qual ele dirigiu uma única cena; e "À Prova de Morte" e "Bastardos Inglórios", que levam sua assinatura).<br />
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O que de mais estimulante sobressai em "Quentin Tarantino" é a viagem através de uma obra marcada pela violência, referências pop e cults e muita autoironia. O choque causado por "Cães de Aluguel" no Festival de Sundance é definido numa conversa telefônica entre a jornalista Ella Taylor e uma amiga: "Um filme indizivelmente violento tomou o festival como uma tempestade".<br />
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O sentido histórico de declarações como essa embalam a leitura, passando pelo impacto ainda maior de "Pulp Fiction" em 1994, quando levou a Palma de Ouro em Cannes. O trecho sobre "Jackie Brown" (1997) traz adendo delicioso escrito por Tarantino sobre o subgênero "blaxploitation", que tanto o inspira. O livro ainda inclui o artigo "Não Tente Isso em Casa", em que Ian Penman faz sérias restrições ao cinema "tarantinesco".<br />
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Filmes só roteirizados por ele (como "Amor à Queima-Roupa" e "Assassinos por Natureza") e outros em que também esteve no elenco principal ("Um Drink no Inferno") ganham devido espaço analítico. É tanta informação de fontes variadas que periga surgir uma certa sensação de repetição.<br />
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<b>"Quentin Tarantino"</b><br />
<b>Organização.</b> Paul A. Woods<br />
<b>Tradução.</b> Santiago Nazarian<br />
<b>Editora.</b> Leya/Barba Negra<br />
<b>Páginas.</b> 384<br />
<b>Preço.</b> R$ 49,90<br />
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<b>*Publicado originalmente em "O Tempo" em 15.9.2012</b>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-33958640303021193612012-08-30T11:56:00.003-07:002012-08-30T12:34:45.360-07:00"Aterrorizada" (The Ward), de John Carpenter<b>A frontalidade da encenação</b><br />
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">De volta aos cinemas após dez anos, o mestre John Carpenter faz <i>Aterrorizada</i>, terror psicológico expressivo, mas aquém de seu talento<br /></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-z9GWACqbZgM/UD-02o5o6qI/AAAAAAAACn0/g5vb5cdE6T0/s1600/ATERRORIZADA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="180" src="http://1.bp.blogspot.com/-z9GWACqbZgM/UD-02o5o6qI/AAAAAAAACn0/g5vb5cdE6T0/s320/ATERRORIZADA.jpg" width="320" /></a></div>
<i><br /></i>
<i>John Carpenter é o mestre da frontalidade no cinema: a sua obra é uma longa,</i><br />
<i>incontestável, indispensável e paciente insistência num mundo que já não se</i><br />
<i>quer reconhecer nela.</i><br />
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A afirmativa do crítico francês Julien Husson se refere à característica do diretor norte-americano de se colocar sempre firmemente diante daquilo que ele está filmando. Não num sentido puramente físico (como estar parado olhando para alguma coisa de frente). A noção de frontalidade, aqui, não se refere a um enfrentamento propriamente dito. Como o próprio Husson também escreve, “a frontalidade é a arte de pôr em relação e não tem nada a ver com um antagonismo ‘simplista’ nem com um dualismo ‘idealista’”.<br />
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Ora, “pôr em relação”, em se tratando de cinema, pode ser próximo de “pôr em cena”, termo possível de ser vinculado ao que se chama <i>mise en scène</i>. Portanto, o que está em jogo no cinema de Carpenter é como a encenação dará conta de um mundo regido por regras próprias e liberto das amarras de uma noção meramente realista do que está sendo apresentado na tela. “Serve-se da evidência, da potência e da imprevisibilidade da ficção”, completa Husson. Carpenter parte da ficção para extravasá-la e chegar ao real – ou, mais propriamente, a uma moral verdadeira daquilo que ele narra.<br />
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O mais recente filme do diretor, <i>Aterrorizada</i> (<i>The ward</i>, 2011), segue estes preceitos. A situação dada é típica dos melhores momentos de John Carpenter: sem memória e sem saber o motivo, a jovem Kristen (a atriz Amber Heard) é trancada num hospital psiquiátrico; lá dentro, relaciona-se com outras detentas e descobre que uma estranha força sobrenatural está eliminando cada uma das pacientes. A frontalidade de Carpenter já começa aqui. Em vez de um conflito inicial, o espectador se depara com dois – a falta de lembranças de Kristen e o mistério em torno das mortes no hospital. A chave de apreensão do filme estará sempre no equilíbrio entre essas instâncias narrativas; a cada novo dado do enredo ou algum susto repentino, a tensão terá vários caminhos pelos quais percorrer. A evidência de que há diversas possibilidades por onde o filme pode provocar medo ou suspense é frontal ao próprio mecanismo que realmente está movendo as peças em jogo.<br />
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A saber (se não viu o filme nem quer conhecer detalhes, pule este parágrafo): Carpenter encontra maneiras engenhosas de tentar subverter – ou pelo menos renovar – alguns clichês típicos de roteiros sobre personagens com múltiplas personalidades. Emulando similares dos últimos anos, alguns bastante significativos, como <i>Síndrome mortal</i> (Dario Argento, 1996), <i>Alta tensão</i> (Alexandre Aja, 2003), <i>Mad detective</i> (Johnnie To, 2007) e <i>Ilha do medo</i> (Martin Scorsese, 2010), <i>Aterrorizada</i> faz com que sua protagonista não simplesmente lute ou aceite as outras faces de si mesma: ela própria é uma das várias faces de alguém. Em vez de se resignar com o que é, Kristen deverá sucumbir ao que não é. Diante disso, recisará deixar de existir, dando lugar a Alice, a pessoa que de fato a projetou para fora de uma mente perturbada.<br />
<br />
Como proceder assim através da <i>mise en scène</i>? Ou como ser frontal a uma premissa cujo entendimento pleno depende de informações deliberadamente suprimidas e somente reveladas no momento considerado mais “apropriado” por quem escreveu a história? Se pensarmos na obra de John Carpenter, será fácil perceber que ele não é um cineasta propenso a enigmas ou omissões que sirvam de muleta para deixar o público esperando algo ser revelado.<br />
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Mesmo filmes cujos pontos de partida são situações sem “explicação” imediata (<i>A bruma assassina</i>, <i>O enigma de outro mundo</i>, <i>O príncipe das trevas</i>, <i>À beira da loucura</i>, <i>Eles vivem</i> ou <i>A cidade dos amaldiçoados</i>), a já citada frontalidade de Carpenter provoca rachaduras dentro do inexplicável e faz com que a atmosfera dos ambientes e a moralidade dos personagens conduzam a ação. Seguindo os melhores ensinamentos apreendidos com o mestre Howard Hawks, Carpenter desfia os conflitos de cada filme simultaneamente aos seus desdobramentos – daí o impacto provocado não só pelo crescendo dos filmes em si, mas pelos desfechos quase sempre acachapantes (e, várias vezes, em aberto). O choque vem porque tivemos acesso constante aos rumos que nos levaram (a nós e aos personagens) até ali. Não houve segredos” ou “intrigas secretas”. Houve a coragem (e a moral) de nos abrir o leque de possibilidades e nos permitir segui-las.<br />
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<a href="http://2.bp.blogspot.com/-xPXy1Z8lVXI/UD-09vrypuI/AAAAAAAACn8/lz7CiiCFcI8/s1600/ATERRORIZADA1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="180" src="http://2.bp.blogspot.com/-xPXy1Z8lVXI/UD-09vrypuI/AAAAAAAACn8/lz7CiiCFcI8/s320/ATERRORIZADA1.jpg" width="320" /></a></div>
A boa trapaça de <i>Aterrorizada</i> é que estamos no mesmo tipo de mecanismo – porém, desta vez, invertido. O filme se desenvolve dentro de si mesmo, a partir do momento em que Kristen – esta imagem mental cujo propósito é negar a evidência de que Alice seja uma garota com transtornos psíquicos – se manifesta. A primeira aparição da moça é correndo floresta adentro, rumo a um casarão que será incendiado sem motivo aparente. Quem vemos é Kristen, porque ela tomou conta de Alice. Dali em diante, o filme seguirá sob o ponto de vista dela, até o momento em que a verdade do que assistimos revela a farsa, algo que era também uma farsa à própria Kristen.<br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
Em <i>À beira da loucura</i> (1994), o personagem vivido por Sam Neill também sofria de distúrbios mentais. Carpenter provocava um curto-circuito na realidade a partir das aflições do protagonista, obrigando-o a dar voltas e voltas, quase sempre fazendo-o retornar ao ponto de partida, num looping constante e angustiante cujo ápice é Neill assistindo a si próprio numa tela de cinema. A diferença para <i>Aterrorizada</i>, o único outro filme de Carpenter a se ambientar “dentro” da mente de alguém, é que, neste, há a tentativa de ambientar a trama numa chave mais distante do delírio. O fantástico está presente na imagem fantasmagórica de uma morta-viva que persegue as garotas, mas essa criatura do além surge como um dado concreto, com o qual o espectador se relaciona naturalmente, por saber de antemão estar presenciando uma história de terror.<br />
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Narrativamente, o filme é linear e clássico, e o que se espera dele é que logo surja alguma resolução para dar conta daquela aparição e do porquê Kristen estar presa. <i>À beira da loucura</i> era o contrário: não tínhamos para onde olhar nem o que focar, ou mesmo quais respostas procurar. Éramos arremessados na confusão interna de um mundo inteiro (e não apenas de um único espaço, ou numa única situação), mundo este sendo regido por alguma mente insana. Por se ater a um espaço específico cercado por alguma ameaça externa, <i>Aterrorizada</i> se vincula ao olhar hawksiano de Carpenter para um grupo de pessoas confinadas. O título original do filme, <i>The ward</i>, pode ser traduzido como “a ala”, em referência ao local onde Kristen está internada.<br />
<br />
É neste lugar que ela e as outras garotas vão ser obrigadas a conviver e enfrentar, juntas e à revelia, os perigos que vêm não se sabe de onde. Ecos já dos primeiros filmes de Carpenter (<i>Dark Star</i>, <i>Assalto à 13ª Delegacia</i> e <i>Halloween</i>) podem ser sentidos aqui, vindos de ainda mais longe, lá do seu fascínio por <i>Onde </i><i>começa o inferno</i> (1959), <i>El Dorado</i> (1966) e <i>Rio Lobo</i> (1970), nos quais Howard Hawks versa sobre sujeitos encurralados. Ao longo de duas dezenas de títulos, Carpenter quase sempre voltou a esse cerne, fazendo com que personagens antagônicos precisassem deixar de lado as controvérsias (mesmo que temporariamente) e se unissem contra um mal em comum.<br />
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<b>UM RETORNO</b><br />
Vão-se dez anos desde a incursão anterior de John Carpenter nos cinemas. <i>Fantasmas de Marte</i> foi lançado em 2001 e não teve a melhor das repercussões. Jean-Baptiste Thoret, num emocionado lamento pela frustração com o filme de um de seus cineastas de cabeceira, chegou a escrever: “A América mudou, ele [Carpenter] sabe-o melhor do que ninguém, e aquele que ontem era corajoso é hoje demagógico”. Nas bilheterias, o filme não se saiu muito melhor, sendo olhado com desconfiança por quase todo lado como mais um trabalho a explorar o filão de produções similares à época <b>(1)</b>, sem o brilhantismo e a provocação inclusive dos longas imediatamente anteriores de Carpenter, <i>Fuga de Los Angeles</i> (1996) e <i>Vampiros</i> (1998).<br />
<br />
Um pouco por isso e também por um assumido cansaço e desânimo <b>(2)</b>, John Carpenter decidiu dar um tempo do cinema. Entre 2001 e 2011, porém, registram-se incursões do diretor em projetos de televisão. Convidado por Mick Garris, o cineasta fez dois episódios para a série <i>Masters of Horror</i>, veiculado no canal Showtime. <i>Pesadelo mortal</i> (<i>Cigarette Burns</i>, 2005) e <i>Pro-life</i> (2006) foram as únicas oportunidades de se assistir a trabalhos inéditos de Carpenter na última década. Únicas e também bastante expressivas, é bom frisar. <i>Pesadelo mortal</i> retomou diversos elementos de <i>À beira da loucura</i>, inclusive o clima detetivesco mesclado ao sobrenatural na busca por uma obra de arte (no caso, um filme desaparecido) que teria provocado a morte de várias pessoas; por sua vez, <i>Pro-life</i> era uma espécie de versão de <i>Onde começa o inferno</i> ambientada numa clínica de abortos e tendo o capeta em pessoa como<br />
antagonista.<br />
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<a href="http://2.bp.blogspot.com/-ZnszTZ32T4w/UD-2uNdXsJI/AAAAAAAACoI/9FqiXhYbqtY/s1600/carpenter.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="213" src="http://2.bp.blogspot.com/-ZnszTZ32T4w/UD-2uNdXsJI/AAAAAAAACoI/9FqiXhYbqtY/s320/carpenter.jpg" width="320" /></a></div>
Reanimado pela experiência televisiva, Carpenter decidiu retomar a carreira no cinema e disse ter se empolgado com a história de Michael e Shawn Rasmussen que originaria <i>Aterrorizada</i>. Vindo de um realizador de certeiros e provocativos olhares sobre a América e seus padrões e comportamentos (“um cineasta que segue modelos antigos, mas foi sempre tematicamente contemporâneo e, palavras suas, ‘profundamente político’”, como escreveu o crítico português Luís Miguel Oliveira), soa irônico que Carpenter tenha se seduzido por um argumento aparentemente tão banal, numa época em que o banal, para um artista como ele, não é (ou não deveria ser) suficiente, em vista de seu próprio histórico e do olhar crítico em relação ao espaço onde vive.<br />
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Se pensarmos em um ou dois nomes fortes do cinema de horror norte-americano cujas ascensões se deram a partir dos anos 1970, junto com John Carpenter – e os quais, em relação a ele, tendem a muitas vezes serem inferiorizados –, <i>Aterrorizada</i> pode parecer apenas um exemplar bem-executado do gênero. George A. Romero, por exemplo, entre 2005 e 2009, renovou-se na trinca <i>Terra dos mortos</i>, <i>Diário dos mortos</i> e <i>Ilha dos mortos</i>, captando todo um imaginário de vigilância, racismo e amoralidade pós-11 de Setembro. Wes Craven, depois de uma fase terrível na qual o título de seu último filme (<i>Amaldiçoados</i>) parecera se referir ao próprio cineasta, revigorou-se razoavelmente bem. Primeiro com o subestimado <i>A sétima alma </i>(2010), retomando muito do clima de horror juvenil que ele ajudou a inventar em <i>A hora do pesadelo </i>(1984), ainda seu grande clássico. Depois, veio a excelência surpreendente de <i>Pânico 4</i> (2011), no qual Craven demonstra estar completamente atento e vinculado não só às novas tecnologias (caminho mais fácil para se pensar o filme), mas a um certo mal estar em torno das ambições de ser importante, de aparecer na mídia, de ser alguém – e Craven leva isso para a encenação do filme de maneira quase literal, sem nunca omitir o fato de estar trabalhando na quarta parte de uma franquia de sucesso que parecia ter sido sepultada anos atrás.<br />
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Diante dos trabalhos mais recentes de Romero e Craven, <i>Aterrorizada</i>, por mais que carregue grande força expressiva, parece um filme menor. Se tivermos de parâmetro a filmografia de John Carpenter em pessoa, isso fica ainda mais evidenciado. O diretor aparenta, aqui, ser muito mais um artesão eficiente do que um mestre, menos um questionador das estruturas (do cinema e do mundo) do que um adepto delas. Carpenter está ali, presente em cada fotograma de <i>Aterrorizada</i>, e por isso mesmo o filme é bastante válido numa época em que o ideário do cinema de horror se pauta em gratuidades, franquias forçadamente intermináveis e refilmagens estapafúrdias. À sua maneira, Carpenter é o mesmo de sempre – o artista que vai contra o sistema e contra os padrões. Mas o filme pode soar também apenas como o tropeço ingênuo de quem sabe o que pensa e o quer dizer, mas se desviou das próprias crenças porque talvez se cansou da falta de resultado delas. O cinema deve celebrar a volta de John Carpenter tanto quanto deve torcer para que John Carpenter realmente volte.<br />
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<b>POST-SCRIPTUM</b><br />
Se John Carpenter esteve afastado das telas por dez anos, ao menos no Brasil isso vai continuar igual. A distribuidora Imagem Filmes decidiu lançar <i>Aterrorizada</i> apenas em DVD e Blu-ray, passando ao largo dos cinemas. É o mesmo destino de filmes recentes de outros nomes importantes do terror, como Dario Argento (<i>Sleepless</i>, <i>O Jogador Misterioso</i> e <i>Giallo</i>), George A. Romero (<i>Diário dos mortos</i> e <i>Ilha dos mortos</i>) e Joe Dante (<i>O buraco</i>). Wes Craven, por enquanto, tem conseguido ficar fora dessa indesejável relação.<br />
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<b>NOTAS</b><br />
<span style="font-size: x-small;">(1) Um ano antes, outro cineasta de prestígio, Brian De Palma, lançara <i>Missão: Marte</i>, filme também mal recebido por crítica e público.</span><br />
<span style="font-size: x-small;">(2) Em entrevista ao site <i>Collider</i>, John Carpenter afirmou: “Em 2001, eu estava completamente cansado de dirigir. Precisava parar, dar um tempo e descansar disso tudo. Tinha prometido a mim mesmo que, quando parasse de amar o cinema e o trabalho, eu não o faria mais. Foi o que aconteceu”.</span><br />
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<b>*Texto originalmente publicado na edição 18 da revista Teorema, em 2011</b>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-41726905603075147402012-08-17T12:56:00.002-07:002012-08-17T13:05:09.797-07:00Crítica: Billi Pig, de José Eduardo Belmonte<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-mtaRPr_1dAo/UC6hyJsx7nI/AAAAAAAACkg/wtMj4xLZRc0/s1600/billi+pig.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="http://1.bp.blogspot.com/-mtaRPr_1dAo/UC6hyJsx7nI/AAAAAAAACkg/wtMj4xLZRc0/s320/billi+pig.jpg" width="320" /></a></div>
A piada fácil surge logo na abertura de <i>Billi Pig</i>. A bela Grazi Massafera, ex-Big Brother Brasil, segura uma réplica da estatueta do Oscar no meio de um ritual. A personagem se chama Marivalda e pede a alguma entidade que lhe permita ser uma grande atriz. O humor da cena é tão óbvio quanto autossatírico: de imediato, o diretor José Eduardo Belmonte se coloca lado a lado com sua protagonista. Ambos têm desafios a partir dali. Ela quer ser atriz; ele quer fazer uma comédia popular, algo inédito numa trajetória que somava antes quatro longas-metragens, todos dramas de carga existencial (discreta exceção feita a <i>Subterrâneos</i>, o primeiro e que já guardava viés irônico e mordaz). Com o ritual de Marivalda, perpetrado em delírio por Milton Gonçalves, ícone do audiovisual brasileiro, Belmonte se permite mergulhar em quaisquer caminhos que lhe forem necessários. Mal ou bem, <i>Billi Pig</i> se sustentará todo a partir desse prólogo – que, apesar de fantasioso, não se difere em nada no tom geral e mágico empregado ao longo do filme. Sonho e realidade serão sempre a mesma coisa em <i>Billi Pig</i>, o que dá a Belmonte liberdade total para seus destrambelhos.<br />
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O filme é uma rara incursão do cinema brasileiro na comédia abertamente fantástica – aquela que não busca explicações metafísicas ou científicas para o humor a ser empregado. Não há conjunção de planetas (<i>Se Eu Fosse Você</i>), traumas amorosos (<i>A Mulher Invisível</i>) nem máquinas do tempo (<i>O Homem do Futuro</i>). A fantasia de <i>Billi Pig</i> é intrínseca a seu universo. Um porco cor-de-rosa fala com Marivalda; se por alguns instantes suspeitamos disso ser uma maluquice da cabeça dela, logo veremos que as coisas não são assim tão claras. Quando o padre vivido por Milton Gonçalves aparece com uma ave azul, já estamos no ponto de crer que o bicho é mesmo azul; minutos depois, a chuva retira a tinta que falseava o animal, revelando o truque que, dada a natureza do filme, não parecia ser truque.<br />
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É nesse equilíbrio entre real e fantástico que <i>Billi Pig</i> se desenvolve, acrescido das tentativas constantes de fazer todo tipo de humor: pastelão, oral, comportamental, corporal, mental, referencial. Não faltam possibilidades de piadas no filme – algumas funcionam muito bem, outras carecem de timing ou de cuidado na construção cênica e espacial para que o “efeito-riso” não seja apenas forçado, mas autêntico. O que encanta em <i>Billi Pig</i> é o jogo proposto por Belmonte – jogo este que talvez nem mesmo o cineasta tivesse consciência.<br />
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Cheio de arestas e pontas soltas, o filme por vezes transmite a sensação de que está completamente perdido, com personagens que surgem e desaparecem sem motivações aparentes (Preta Gil e Milhem Cortaz na funerária), diálogos fora do enredo central (o padre e a amante), desvios narrativos (a infância do padre em flashback). Por outro lado, Belmonte lança na tela o desafio de o espectador encarar a própria necessidade intrínseca de querer as pontas devidamente fechadas. A irregularidade de <i>Billi Pig</i> funciona também como uma proposta de cinema, naturalmente arriscada e também perigosa, pois passível de leituras apressadas e intolerantes. Como “convencer” qualquer público (leigo ou crítico) de engolir um filme aparentemente incompleto, que inclusive pode dar a impressão de ser também um filme vítima de inapetência? A armadilha de <i>Billi Pig</i>, portanto, está justamente na sua suposta ruindade.<br />
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Mas, como defendia Jairo Ferreira, é de filmes imperfeitos que também se constrói uma cinematografia significativa. <i>Billi Pig</i> é a resposta imperfeita e repleta de vida a um caminho excessivamente “limpo” que o cinema brasileiro comercial vem construindo. Há poucos paralelos possíveis do filme de Belmonte com qualquer realização recente no país, especialmente no gênero da comédia. Num sentido geral, talvez apenas <i>Falsa Loura</i> poderia ser colocado em chave similar, especialmente pelo olhar profundamente bem-cuidado e honesto que tanto Belmonte quanto Carlos Reichenbach imprimem a personagens da periferia, quanto na sincera crença dos dois diretores de que a linguagem do filme pode acompanhar o compasso dos pensamentos de seus protagonistas – e a cena musical de Grazi no bar em <i>Billi Pig</i> não teria equivalência ao videokê de Rosanne Mulholland e Maurício Mattar em <i>Falsa Loura</i>? O desfecho “feliz” não guardaria muito do elogio da malandragem presente em filmes como <i>Ladrões de Cinema</i> (1977), de Fernando Coni Campos? Contemporaneamente, assim como para <i>Os Normais</i> (José Alvarenga) existe a contraparte <i>Todo Mundo Tem Problemas Sexuais</i> (Domingos de Oliveira), já se pode dizer que para coisas como <i>Família Vende Tudo</i> (Alain Fresnot) há Belmonte e Marivalda com seu porquinho serelepe. E assim a resistência vai surgindo, de onde pouco se quer olhar com atenção.<br />
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-habedu0jkH4/UC6h0L9XQZI/AAAAAAAACko/Bb8XzpD6img/s1600/billi+pig2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://4.bp.blogspot.com/-habedu0jkH4/UC6h0L9XQZI/AAAAAAAACko/Bb8XzpD6img/s320/billi+pig2.jpg" width="320" /></a></div>
Essa característica de estar contra um sistema estabelecido aproxima <i>Billi Pig</i> dos filmes anteriores de José Eduardo Belmonte. De maneira independente e em pouco tempo, ele realizou <i>Subterrâneos</i> (2003), <i>A Concepção</i> (2005), <i>Meu Mundo em Perigo</i> (2007) e <i>Se Nada Mais Der Certo</i> (2008). Ao estrear na indústria em <i>Billi Pig</i>, com orçamento mais elevado e equipe melhor estabelecida (Vânia Catani o produziu), Belmonte não se permitiu ser pasteurizado. Há tanto de rendição quanto de suicídio em <i>Billi Pig</i>. O filme não foi bem de bilheteria nem recebeu críticas entusiasmadas – muito pelo contrário: na grande mídia, Belmonte tem sido tratado como uma espécie de traidor, alguém que teria aberto mão de um suposto viés autenticamente artístico para faturar com uma comédia sem graça em cima de nomes como Grazi Massafera, Selton Mello, Otávio Müller e a logomarca da Globo Filmes.<br />
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Seria ingenuidade pensar que<i> Billi Pig</i> tenha sido pensado como outro dos projetos plenamente autorais de Belmonte. Seria, porém, igualmente ingênuo acreditar que um filme de tantos estranhamentos e de tamanhas recusas à deglutição fácil estivesse apenas interessado em fazer dinheiro. Há muito de Belmonte espalhado no filme inteiro. Um Belmonte em outra chave, mas não em outro planeta: ainda é aquele cineasta que deixa os atores improvisarem, que permite ao filme respirar por si mesmo, que mantém um olhar para o mundo como este sendo um lugar de provações e recomeços. Temos aqui um cineasta que coloca uma figura como Grazi Massafera para encabeçar o elenco e jamais faz da atriz uma “bandeira” de excitação viril ou um corpo gratuitamente lançado em cena para deleite de olhares voyeurs. Grazi está no filme justamente porque ela é Grazi Massafera, disso não há dúvidas. O artifício exemplar é que o filme está a serviço de sua presença, seu humor e seu corpo – e não o inverso (como, novamente, Carlos Reichenbach sabe fazer como poucos ao escolher suas atrizes). Não seria exagero dizer que <i>Billi Pig</i> existe de e para Marivalda, a personagem de Grazi. A vinculação de Belmonte a personagem tão adorável faz grande diferença para os significados possíveis de serem enxergados no filme.<br />
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Os tropeços de <i>Billi Pig</i> não o tornam um filme pior, assim como momentos mais inspirados não o fazem necessariamente melhor. Tornam-no, de fato, um desafio instigante e fascinante. Que troço é esse? E por que o cinema popular brasileiro não nos oferece troços tão intrigantes com mais frequência? Achar graça do filme ou achar graça do atrapalho de Belmonte em não conseguir sugar humor de determinadas situações podem ser experiências muito mais enriquecedoras e estimulantes do que se espera e se queira à primeira vista. Basta olhar sem o filtro da limpeza exacerbada e da busca por perfeição e se permitir ser tão inconsequente assistindo ao filme quanto José Eduardo Belmonte parece ter sido ao fazê-lo.<br />
<br />Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-35960466310386034722012-08-01T11:52:00.000-07:002012-08-01T11:53:35.130-07:00Crítica: O Cavaleiro das Trevas Ressurge<br />
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<a href="http://2.bp.blogspot.com/-a_MThukORk4/UBl6jC_nhCI/AAAAAAAACho/bKhRkxwIdlE/s1600/batman-bane.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="http://2.bp.blogspot.com/-a_MThukORk4/UBl6jC_nhCI/AAAAAAAACho/bKhRkxwIdlE/s320/batman-bane.jpg" width="320" /></a></div>
Se algo de muito bom vai ficar da trilogia feita por Christopher Nolan com o personagem Batman, é a forma como os três filmes narraram histórias a partir do Homem-Morcego, e não necessariamente sobre ele. No primeiro filme, "Batman Begins", isso só ganhava força na segunda metade, mas em "O Cavaleiro das Trevas" e "O Cavaleiro das Trevas Ressurge", foi um diferencial bastante forte.<br />
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No desfecho da trilogia, Nolan se dá ao luxo de praticamente tirar o ator Christian Bale de cena e deixar que coadjuvantes como o vilão Bane, os policiais Gordon e Blake e a ladra Selina ocupem todo o espaço da ação, e isso funciona muito bem. A tensão está presente principalmente na metade inicial, especialmente no equilíbrio entre as angústias de um combalido Bruce Wayne como ex-combatente do crime em Gotham e o planejamento ainda misterioso de Bane sobre o que ele pretende fazer na cidade. O suspense criado dessas tensões ganha força com a entrada de personagens secundários realmente interessantes (outra boa marca da trilogia).<br />
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A partir do momento em que Bane revela o plano, "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" entra numa espiral de situações cozinhadas que muito pouco enriquecem a tensão tão bem desenvolvida antes. Entre discursos revelados do vilão, explicações excessivas sobre o que está acontecendo em cena e aqueles 20 minutos finais em que as resoluções se atropelam numa velocidade pouco condizente com o ritmo do filme até então, o longa parece não chegar a lugar algum e "conclui" a saga de maneira bastante questionável.<br />
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Pesa ainda que Nolan segue como mau diretor de cenas de ação física. O primeiro combate entre Batman e Bane, com toda a violência inerente a ele (e tão aguarda especialmente por fãs dos quadrinhos quanto construída pelo ritmo do filme), cai na velha armadilha de o espectador simplesmente não conseguir enxergar direito o que acontece, dado o excesso de picotes da imagem.<br />
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Nolan teve momentos mais inspirados no filme anterior, muito ajudado pelo magnetismo do Coringa de Heath Ledger (que parecia quase obrigar a câmera a ficar parada nele). Neste terceiro, mesmo entre cenas mais fortes, o tom "épico" e conclusivo está mais no marketing que no filme.<br />
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<b>Publicado em "O Tempo" no dia 26.7.2012</b><br />
<div>
<br /></div>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-8451522404386901332012-08-01T11:46:00.000-07:002012-08-01T11:48:41.497-07:00Novo "Batman" nos cinemas<br />
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-RNilyeYfsqA/UBl54uldVkI/AAAAAAAAChg/bF3_hac1IIU/s1600/batman-batman.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="239" src="http://4.bp.blogspot.com/-RNilyeYfsqA/UBl54uldVkI/AAAAAAAAChg/bF3_hac1IIU/s320/batman-batman.jpg" width="320" /></a></div>
A ansiedade dos fãs, a publicidade grandiloquente ("o desfecho épico da trilogia") e o sucesso do episódio anterior, feito em 2008, tornaram a estreia de "Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge" algo próximo de um ritual litúrgico. Serão quase mil salas exibindo o longa. Todo mundo quer ver o novo filme com o Homem-Morcego dirigido por Christopher Nolan. O terrível massacre ocorrido no Colorado (EUA) na semana passada até deu uma tremida na expectativa, mas nada que não vá dar jeito de empurrar para lá.<br /><br />
Épico, de fato, o filme faz de tudo para ser. Não apenas pela música quase onipresente ao longo das 2h40 de duração, mas pelas situações apresentadas no enredo, que procuram amarrar elementos dos dois filmes anteriores feitos por Nolan e criar um desfecho à trilogia iniciada em 2005 por "Batman Begins".<br />
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Algo, porém, perdeu-se pelo caminho e fez da terceira parte da franquia um amontoado de acontecimentos pretensamente tensos e cujo núcleo se torna o desgastado e indefectível desafio de impedir que um bandido alucinado destrua toda a cidade com um artefato nuclear. Desafio este, aliás, que já estava presente em "Batman Begins" (com outro tipo de artefato) e serve de gancho para essa conclusão na figura de Bane, terrorista brutal e enigmático que chega a Gotham City disposto a tornar a cidade uma terra sem leis para, depois, explodi-la.<br />
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Christopher Nolan divulgou esta semana uma carta na qual se despede da franquia do Batman sendo bastante claro sobre nunca ter previsto fazer três filmes interligados. "As pessoas perguntam se sempre planejamos uma trilogia. É como ser perguntado se planejamos crescer, casar e ter filhos. A resposta é complicada", diz Nolan.<br />
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A boa recepção crítica e financeira do primeiro filme praticamente obrigou o diretor a realizar um segundo. Quando "O Cavaleiro das Trevas" ultrapassou a marca de US$ 1 bilhão no mundo, não havia a menor dúvida de que um terceiro viria naturalmente. Isso de forma alguma significa, como muita gente alardeou, que Nolan tivesse tudo preparado na cabeça, com a resolução da trama moldada desde sempre. A morte de Heath Ledger em 2008, meses antes da estreia de "O Cavaleiro das Trevas" - filme no qual o ator interpretava uma versão memorável e perturbadora do vilão Coringa - foi um baque que ninguém esperava e obrigou os produtores da Warner a mudarem eventuais planos de tê-lo numa terceira parte.<br />
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Afinal, não deve ser coincidência que o Coringa não morra no segundo filme; menos acaso ainda deve ser o fato de que o personagem nem sequer é citado na terceiro parte, por mais referências que se tenha a diversos elementos dos episódios anteriores. A partida precoce de Ledger deve ter sido um choque tão grande que os roteiristas nem souberam (ou não quiseram) tratar do Coringa nesse desfecho.<br /><br /><b>*Publicado em "O Tempo" no dia 26.7.2012</b><br />
<br />Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-63245653417079671392012-07-21T15:22:00.006-07:002012-07-21T15:24:11.164-07:00André Diniz<br />
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/-f_lRL_p4eGU/UAsqIPm3NhI/AAAAAAAACew/oQ6Lj3mDsuI/s1600/diniz.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://4.bp.blogspot.com/-f_lRL_p4eGU/UAsqIPm3NhI/AAAAAAAACew/oQ6Lj3mDsuI/s320/diniz.jpg" width="237" /></a></div>
Animado com a ótima repercussão de sua história em quadrinhos "Morro da Favela", publicada pelo selo Barba Negra, da Leya, André Diniz decidiu arriscar e oferecer o trabalho à editora francesa Des Rond Dans lO. Sem falar uma única palavra da língua de Moebius, Diniz apelou aos recursos salvadores do Google Translate.<br />
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O método virtualmente mambembe funcionou. A editora não só adorou "Morro da Favela" como a colocou no mercado francófono e levou Diniz a uma turnê na Europa. Ele aportou de volta ao Brasil no final de junho, cheio de elogios e propostas. Mal respirou e, no dia 30, seguiu para o Cinesesc, na capital paulista, onde recebeu dois troféus HQ Mix - o de melhor álbum nacional, por "Morro da Favela", e o de roteirista nacional (categoria na qual já tinha ganhado nos anos de 2004 e 2010).<br />
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O reconhecimento ratifica o que os leitores de HQs têm acompanhado desde o começo da década passada. Nascido no Rio de Janeiro e radicado em São Paulo desde novembro de 2010, André Diniz é hoje, como apontou o crítico Sidney Gusman, o quadrinhista mais prolífico do Brasil. Nos últimos anos, além de "Morro da Favela", outros destaques foram "A Cachoeira de Paulo Afonso", "O Quilombo Orum Aiê" e "O Negrinho do Pastoreio" - para ficar apenas nos que ele fez tanto roteiro quanto desenho. Num mercado como o nosso, em que trabalhar com HQs ainda é um perrengue, ter produção constante (e de qualidade) é raro.<br />
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Aos 36 anos, Diniz vem de uma caminhada que nem ele mesmo sabe definir onde começou. "Desde criancinha gosto de ler e desenhar muito", relembra. Na juventude, após a inevitável fase de acompanhar Turma da Mônica, foi leitor das aventuras de Tintim e do Tio Patinhas escrito pelo conceituado Carl Barks. Diniz conseguiu a façanha de passar incólume pelo universo dos super-heróis. "Ah, aquilo nunca me seduziu. Acho que os desenhos não me atraíam", comenta. Por outro lado, alimentou-se vorazmente da satírica "Mad". "Se tem alguma coisa na vida que posso dizer que fui fã, é da Mad<br />
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Fanzines. Talvez o jeito despojado da publicação editada no Brasil pelo mítico Ota tenha inspirado Diniz a bolar seus fanzines. A partir de 1994, sozinho, desenhava e escrevia histórias em papéis A4, com tiragens independentes de 500 exemplares que distribuía em lojas de quadrinhos. Num certo período, imprimindo em gráficas de jornal, chegou a tiragens de 3.000 exemplares.<br />
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"O fanzine foi a minha faculdade, o meu doutorado, foi tudo", conta ele, que chegou a cursar um ano de desenho industrial e desistiu. "Não me somou nada".<br />
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Em 1999, Diniz fundou a própria editora, a Nona Arte, e publicou dois trabalhos que considera sua estreia como quadrinhista profissional: "Subversivos", com desenhos de Laudo Ferreira, e "Fawcett", cujos traços foram do mestre Flavio Colin (1930-2002). "Ganhei alguns prêmios e tive muita visibilidade na mídia", conta ele. Dinheiro? "Nem pensar. Se for contar por isso, só agora estou me tornando profissional", brinca.<br />
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Já naqueles dois primeiros títulos, um elemento muito característico do trabalho artístico de André Diniz podia ser notado: a preocupação com a pesquisa. Seus roteiros sempre partem de elementos do mundo real, ou pelo menos tratam de questões palpáveis. A ditadura militar, por exemplo, rendeu ao menos duas histórias - a citada "Subversivos" e a subsequente "Ato 5", desenhada por José Aguiar.<br />
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"Ao diversificar minhas leituras, desde muito jovem, percebi que várias coisas que eu lia dariam histórias fascinantes. Gosto de manter a conexão com o que não é apenas uma ideia ou só imaginação", diz.<br />
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<b>Desenhos.</b><br />
Apesar de arriscar desenhos desde criança, André Diniz demorou a assumir os traços de seus próprios trabalhos. A segurança foi reforçada quando ele tomou contato com elementos da arte africana. Ao produzir "Chico Rei" (2006) para a Franco Editora, Diniz se fascinou com a trajetória do protagonista - Galanga, rei do Congo, capturado para trabalhar como escravo quando o Brasil ainda era colônia portuguesa.<br />
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"A estilização do desenho africano tem muito a ver com a minha forma de olhar, porque eu não sou de detectar sutilezas, prefiro as formas exageradas. Então incorporei isso aos meus desenhos e me senti mais preparado", conta. A técnica da xilogravura também se tornou uma referência.<br />
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Tecnicamente, o computador se tornou a ferramenta ideal para André Diniz. Se antes ele fazia rascunhos a mão e depois escaneava para a tela, agora ele faz diretamente no PC. "É maravilhoso poder ajustar o desenho ainda no processo. E ainda tem ainda o CTRL-Z (atalho para desfazer uma ação)".<br />
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No caso de "Morro da Favela", Diniz foi a campo. A HQ narra a vida do fotógrafo Maurício Hora, que vive no Morro da Providência (a primeira favela carioca) desde quando nasceu e nunca quis sair de lá. O autor se interessou pela biografia de Hora ao conhecê-lo através de um comentário do cunhado. "Quando liguei para o Maurício para dizer que gostaria de contar a história dele em quadrinhos, senti um estranhamento. Mas logo ele entendeu".<br />
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<a href="http://4.bp.blogspot.com/--n02buosLis/UAsqlja_ZfI/AAAAAAAACe4/WKg26QSkGqc/s1600/morro.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="221" src="http://4.bp.blogspot.com/--n02buosLis/UAsqlja_ZfI/AAAAAAAACe4/WKg26QSkGqc/s320/morro.jpg" width="320" /></a></div>
Diniz fez várias visitas ao Morro da Providência e conheceu de perto um cotidiano no morro bem distante dos clichês de favela. "Tive surpresas boas e ruins, é claro, mas vi tudo por mim mesmo, sem o filtro da mídia". Ele ainda absorveu muito da ambientação captada por Hora em suas fotografias - várias delas reproduzidas num adendo do álbum lançado pela Leya.<br />
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Além de ter garantido a publicação de "Morro da Favela" na França, André Diniz também terá o trabalho vertido para o inglês, sob o título "Picture a Favela". Vai sair na Inglaterra e nos EUA, pela editora SelfMadeHero. Há algo de bastante irônico no fato de que Diniz, pouco afeito a quadrinhos de super-heróis e cuja trajetória começou entregando fanzines, seja publicado fora do país por uma empresa intitulada "herói por si mesmo".<br />
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<b>*Originalmente publicado em "O Tempo" no dia 11.7.2012</b>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-64118088683386203512012-05-30T12:35:00.001-07:002012-05-30T12:35:35.741-07:00Cannes 2012: Entre filmes e textosEscrevi de vários filmes exibidos no 65° Festival de Cannes na revista eletrônica <b>Filmes Polvo</b>. A cobertura completa está aqui:<br />
<a href="http://www.filmespolvo.com.br/site/eventos/index/65">http://www.filmespolvo.com.br/site/eventos/index/65</a>Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-25611410907026584752012-05-30T12:32:00.003-07:002012-05-30T12:33:20.952-07:00Cannes 2012: Dario<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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Dario Argento, 71, chega para sessão especial de <i>Dracula</i> ovacionado no Grand Theatre Lumiére.Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4616981706432084336.post-52257256711914976142012-05-30T12:31:00.000-07:002012-05-30T12:31:25.220-07:00Cannes 2012: Asia<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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Asia Argento, 36, adentro o Grand Theatre Lumiére para acompanhar a exibição de <i>Dracula</i>, dirigido pelo papai.Marcelo Mirandahttp://www.blogger.com/profile/09226815774383481332noreply@blogger.com0